Li hoje um artigo do professor Paul Freston, publicado na revista ULTIMATO (Ano XLIII, novembro/dezembro de 2010, nro. 327, p. 48 a 51), sobre um tema objeto de uma recente pregação que ministrei em minha congregação, a humildade. Esta feliz coincidência, que ajuda a solidificar minhas concepções sobre a temática, inspirou-me a colocar aqui este artiguete, onde espero contribuir para esclarecer porque muitos não entendem ou não procuram desenvolver esta virtude fundamental.
Quero comentar, adicionalmente, um problema que aflige a cristandade (e isso desde o inicio), especificamente com relação àqueles chamados a pastorear. A carnalidade, forte e avassaladora (bem apropriado este termo!) como é, deturpou e continua a deturpar de modo trágico o mandamento do Cristo neste particular do apropriado pastorear. Temo, e que me corrijam se me engano, que a raiz do problema esteja, nestes homens, na falta de uma virtude teologal, a Fé, que determina a que não tenhamos, como suponho, outra virtude fundamental, a humildade.
Hoje vemos muitos líderes, pastores, bispos, élderes, padres, ‘apóstolos’, presbíteros, anciãos (etc...) que não são líderes como Jesus determinou. Ele disse expressamente que quem deseja ser o ‘maior’ no reino de Deus, este seja o servo, o servidor de todos. Claro está, como Cristo falou (e fez), que quem quer liderar, seja o primeiro e o maior servo. O Líder cristão serve, toma sempre a iniciativa de servir (não precisa a isso ninguem solicitar, mandar), dá o exemplo e age, efetivamente, como o servo de todos. O que se observa atualmente é ‘líder’ como sendo o servido, o ‘maioral’, aquele de detem certa espécie de poder sobre um número ‘x’ de ovelhas, com igrejas enormes, por vezes gigantescas, ministérios imensos onde estes ‘pastores’ reinam e são servidos por muitos (por vezes de modo vitalício!). Pastores ‘de púlpito’, que são admirados pela oratória, ou ministros que se preocupam mais com a posição, suas tarefas ‘elevadas’, e com o encômio, além do salário e/ou benefícios do cargo.
Mas porque isso acontece? O problema é que a carne determinou e determina cotidianamente a corrupção do ensinamento bíblico. Muitos dos líderes não são humildes como Cristo é. Desde os primórdios de nossa relação com nosso Pai Celestial a importância da HUMILDADE tem sido ressaltada, e ouso dizer que, ao olhos de Deus, é uma das virtudes mais importantes. No dicionário, lemos seus principais significados: 1. É virtude que nos dá o sentimento da nossa fraqueza. 2. Singeleza, modéstia, pobreza. 3. Respeito, reverência; submissão. Para compreendermos, vejamos seu contrário, o ORGULHO: 1. Auto conceito, brio, sentimento de dignidade pessoal. 2. Conceito elevado ou exagerado de si próprio; amor-próprio demasiado; soberba (altivez, arrogância, presunção ).
A própria Bíblia procura situar a importância de descobrirmos o que significa esta virtude. Em Provérbios 15: 33 lemos Quem teme o SENHOR está aprendendo a ser sábio; quem é humilde é respeitado. A conduta de quem é humilde, piedoso, revela-nos alguém como pessoa confiável, equilibrada, que conhece o sentido de sua existência. Mais adiante em Provérbios 22, 4 este conceito é reforçado: Quem teme o SENHOR, e é humilde, consegue riqueza, prestígio e vida longa. Apenas na fé bíblica a humildade é tida como virtude. Para as outras religiões, para muitos filósofos, e também no imaginário de muitas das pessoas comuns, a humildade é relacionada à falta de honra, pois sugere fraqueza, falta de iniciativa, ou mesmo subserviência; todos acreditam nestes tempos pós-modernos que a pessoa - em especial um líder - tem que ser pró-ativa, assertiva, auto-suficiente e outros termos modernos...
Há muita confusão para definir-se de modo adequado qual seja a parte boa desta tal de HUMILDADE. Mas isto não é um problema dos dias de hoje. Há muito tempo o homem anseia por entender a importância desta virtude, e os Profetas, conscientes de sua importância, tem tentado nos comunicar a vontade de Deus a respeito.
Miquéias, um dos grandes profetas do oitavo século antes de Cristo, viveu no tempo de Isaías. Natural de uma pequena cidade de Judá, no Reino do Sul, ele viu que Judá corria o perigo de sofrer o mesmo castigo que Israel, o Reino do Norte, havia sofrido. Miquéias fala contra os pecados do povo de Judá e de Israel. Mas ele também fala da bondade de Deus: o Deus que castiga o seu povo é o Deus que perdoa. O Profeta Miquéias indica, de modo veemente, a necessidade de entendermos a ligação da HUMILDADE e certos valores celestiais importantíssimos: Mq 6, 8 "O SENHOR já nos mostrou o que é bom, ele já disse o que exige de nós. O que ele quer é que façamos o que é direito, que amemos uns aos outros com dedicação, e que vivamos em humilde obediência ao nosso Deus.
O que significa HUMILDADE, de um modo simples? Sabermos todos que somos inteiramente dependentes do nosso Criador – temos que reconhecer o ABISMO que existe entre o Deus soberano e nós. ABRAÃO sintetizou bem em uma frase esta constatação. Na Bíblia de Almeida, Revista e Atualizada, em GENESIS 18, 27 lemos: Disse mais Abraão: Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza.
Ainda na antiguidade, mesmo com tantos ensinos e exortações, a dificuldade permanecia. O apóstolo Paulo era muito preocupado como nossa vida espiritual, e escreveu muitas cartas com conselhos práticos aos primeiros cristãos. Uma delas foi endereçada aos cristãos de Filipos, que era uma cidade que ficava na província romana da Macedônia; hoje faz parte da Grécia. A igreja de Filipos foi a primeira fundada na Europa por Paulo, na sua segunda viagem missionária (Atos 16, 12 a 40). Anos depois, quando estava na prisão (1, 7), Paulo escreve esta Carta aos Filipenses. Ele havia recebido notícias de que havia sérias dificuldades entre os cristãos de Filipos e estava muito preocupado com as falsas doutrinas que alguns ensinavam lá. E estava preocupado também por saber que alguns líderes da igreja tinham ficado contra ele. Ao mesmo tempo, ele havia recebido ajuda dos cristãos de Filipos e escreve a carta, não somente para tratar dos sérios problemas da igreja, como também para agradecer aos filipenses tudo o que tinham feito em seu favor.
A carta mostra o grande amor que Paulo tinha pelos filipenses e fala da alegria, união e firmeza que devem ser marcas dos seguidores de Jesus Cristo. Paulo diz que, acima de tudo, todos devem imitar o exemplo do próprio Cristo, que seguiu o caminho da humildade e da obediência a Deus, caminho este que o levou à morte na cruz e à altíssima posição de Senhor de todos. Filipenses 2, 1 a 3: Por estarem unidos com Cristo, vocês são fortes, o amor dele os anima, e vocês participam do Espírito de Deus. E também são bondosos e misericordiosos uns com os outros. Então peço que me dêem a grande satisfação de viverem em harmonia, tendo um mesmo amor e sendo unidos de alma e mente. Não façam nada por interesse pessoal ou por desejos tolos de receber elogios; mas sejam humildes e considerem os outros superiores a vocês mesmos.
Ser HUMILDE é a postura lógica daquele que é cônscio do pecado, pelos seus efeitos. E aquele que almeja liderar, pastorear, não deveria saber isso de antemão? A HUMILDADE está no cerne da vida piedosa, como sendo a pessoa mansa, religiosa, sem pieguismo ou extremismos. Mas o grande problema de quem não cultiva a HUMILDADE ( e isso é trágico entre a liderança) é que a sua capacidade de aprender fica comprometida, e isto não só do aprendizado das coisas terrenas, mas principalmente das verdades eternas! E porque isso ocorre?
Sabemos que, de acordo com o conhecimento mundano, dos homens, o problema conhecimento é enigmático pois o mesmo homem é limitado e a realidade é polifacetada, multimensional, ou seja, complexa. Como podemos chegar à verdade? Nenhum mortal é dono da verdade posto que entra em contato somente com parte da totalidade da realidade, e através da representação dos fatos e fenômenos ou as impressões que causam.
Há VERDADE quando percebemos e dizemos aquilo que se desvela, que se manifesta aos nossos sentidos: existe certa conformidade entre o que julgamos e aquilo do que do objeto se constata, se observa, se apropria em nossa mente. Se conhecemos partes da realidade, não temos como conhecer toda a verdade, a verdade absoluta. Muitas vezes as aparências enganam e emitimos conclusões equivocadas (o erro). Para chegar-se à verdade precisa-se então de EVIDÊNCIAS – manifestações claras, transparentes, da essência da coisa – este é o critério da verdade. Se se obtém evidência inequívoca, então pode-se acreditar.
CERTEZA é o estado de espírito que consiste na adesão firme a uma verdade, sem temor de engano. Fundamenta-se na evidência, no desvelamento da natureza e da essência da coisa. Havendo evidência (objeto, fato ou fenômeno se desvelando com suficiente clareza) pode-se afirmar com certeza (sem temor de engano) uma verdade. Aqui reside o eterno drama humano - como ter certeza das coisas?
‘CRER’, acreditar, é uma forma de assentimento que se dá àquilo que se julga como verdades, que pode ser um estado de espírito objetivamente insuficiente, embora subjetivamente se imponha com grande convicção: (1) Pode ocorrer Ignorância (ausência de conhecimento) quando não existe qualquer desvelamento, não existe na realidade, ao alcance da não, aquilo que se deseja saber. (2) Pode ocorrer Dúvida, que é um estado de equilíbrio entre afirmação e negação sobre o fato ou fenômeno. (3) Pode ocorrer também a situação de Opinião , que é um estado de espírito que afirma com temor de se enganar. O valor da opinião depende da maior ou menor probabilidade das razões que fundamentam a afirmação. Em geral não se tem evidência forte, inequívoca do fato... Porém, no estado de OPINIÃO, não se tem compromisso...
E como ficamos com relação ao conhecimento ( ou, conhecimento certo, com certeza) da vontade de Deus? Diante do mistério (o oculto enquanto sugerido) duas atitudes podem ser tomadas: (1) refletir e, com auxílio de instrumentos, procurar obter conhecimento via procedimento que seja científico ou filosófico, ou (2) aceitar as explicações de uma autoridade que tenha vislumbrado o mistério e o desvendado. Implica numa atitude de fé diante de um conhecimento revelado e que, pelos sinais que a acompanham, reveste-se de verdade autêntica. Para muitos (ao que parece, alguns pastores inclusive), os sinais que estão assinalados na Bíblia, nossa autoridade, não são convincentes. Muitos dizem - "não existe verdade absoluta, tudo é relativo"... Não se pode ter certeza de nada. Para citar uma conhecida anetoda, no mundo, como ensinava Benjamin Franklin, só existem duas "certezas": a morte e os impostos...
O problema é a postura de inflexibilidade, altivez, arrogância, - ou seja, falta de humildade - que rechaça qualquer outra coisa, qualquer que seja a fonte, que confronte nosso “conhecimento” - O CONHECIMENTO DO MUNDO. O conhecimento do mundo, para ser certo ('dar certeza'), exige comprovação tácita, empírica, 'científica', factual, cabal, como São Tomé exigiu... Por outro lado, quem tem a virtude da HUMILDADE, da PIEDADE, é aberto, submete-se (sabe que nem tudo é comprovável cientificamente), venera, respeita... Sabe que existe algo superior a nós... e tem mais - sabe quem tem preferência para Deus? Veja ISAIAS 61, 1: O SENHOR Deus me deu o seu Espírito, pois ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres. Ele me enviou para animar os aflitos, para anunciar a libertação aos escravos e a liberdade para os que estão na prisão. (Em algumas versões, está escrito em lugar de “pobres” que Deus prefere os mansos, os quebrantados, os humildes) Isto é reforçado e ratificado pelo Apóstolo Pedro (com uma citação sua de Provérbios 3, 34): em I Pedro 5, 5 lemos “E vocês, jovens, sejam obedientes aos mais velhos. Que todos prestem serviços uns aos outros com humildade, pois as Escrituras Sagradas dizem: “Deus é contra os orgulhosos, mas é bondoso com os humildes!”
Mas, eu não espero convencer aqui pela racionalidade destes meus argumentos e das muitas passagens dos evangelistas sobre o tema. O principal argumento que tenho aqui, fundado na Bíblia autoritativa (veja bem, eu não escrevi 'autoritária' ou 'autoritarista'...), é o fato de que Jesus foi e é o nosso modelo de conduta, e Ele nos exige mudança de vida, mudança de visão, mudança de espírito. Em especial com relação à HUMILDADE, o Senhor e Mestre sempre foi um notável professor: um dos feitos mais memoráveis, em todos os tempos foi o acontecimento do LAVA-PÉS. Nesta passagem, Jesus simbolizou com perfeita integridade o significado e mensagem do seu memorável Ministério.
Jesus nos convida à humildade como sendo o padrão de pessoa, como um modo de ser, como quem vê o mundo com os olhos da mansidão e isto, este convite, é-nos feito de modo bem claro, como vemos em MATEUS 11, 28 a 30: Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei descanso. Sejam meus seguidores e aprendam comigo porque sou bondoso e tenho um coração humilde; e vocês encontrarão descanso. Os deveres que eu exijo de vocês são fáceis, e a carga que eu ponho sobre vocês é leve.
Esta carga, os deveres, o jugo que CRISTO nos propõe se tornam leves e suaves, se temos fé, mas isto, a FÉ, só se possui se tivermos HUMILDADE. Sim, Jesus é o nosso modelo, e não é impossível de se seguir, como alguns, baseando-se no conhecimento do mundo, querem sugerir – “Só Jesus conseguiu, só Ele tem poder para isso!!!”, é o que dizem. O exemplo d’Ele foi pleno, e em várias dimensões e situações: Ele, Deus que se fez carne, em vez de aceitar a glória, Ele dava testemunho da Sua dependência total do PAI CELESTIAL como fonte de sua própria sabedoria e poder; em vez de apegar-se à gloria, ele atribuía toda a gloria ao PAI. Isto é muito bem demonstrado no Evangelho de João, nos capítulos 5 a 8.
Portanto, o imperativo de todo o Novo Testamento é imitarmos a Cristo - a vida do fiel, do cristão deve ser uma vida piedosa, uma vida de humildade, e isso a começar de nossos líderes, daqueles que são comissionados a pastorear, não importa sua denominação. (Aliás, que vergonhoso que alguns proclamem do púlpito, que ‘esta igreja “x” é a única igreja verdadeira e que salva as pessoas’.... mas quem salva não é Jesus?? – ou a Igreja de Cristo agora virou sinônimo de instituição humana com determinado nome??)
O discípulo fiel, que efetivamente tem FÉ, sabe que deve travar uma batalha contínua contra o orgulho, que é a raiz do pecado, aquele egoísmo que origina o egocentrismo, a auto-exaltação, a presunção de si; origina a obstinação, a auto-confiança exacerbada, a glorificação pessoal, a necessidade de ser servido, ‘paparicado’, em vez de servir, como Cristo fez e ordenou. Sabemos onde termina tal tendência, tal deturpação – frustração, decepção, e até desespero!
A humildade bíblica, como JESUS ensinou, não diminui as realizações pessoais nem aumenta as falhas de ninguém. A humildade não é um tipo de masoquismo sutil que se deleita na sua própria humilhação, no rebaixamento estéril da pessoa. Não significa ser covarde, protegendo-se por meio de um servilismo ultrajante ou ainda auto-anulação. HUMILDADE também não é uma virtude puramente particular que, como pensam alguns, “somente poucos a desenvolvem”; – é, sim, o resultado de perseverante estudo e oração, e de uma prática de vida que tem DEUS por centro, reconhecendo, de modo agradecido, a concessão gratuita de dons por parte do Pai Celestial para todos nós.
Humildade é reconhecer também a soberania de Deus em nos capacitar, a cada um, para o serviço que precisamos realizar. Isso necessita fé por parte da pessoa!
Fé significa confiar, acreditar, significa FIRMEZA, estabilidade, constância. Fé é um conceito central no pensamento bíblico, pois lida com a relação de Deus com os homens, com o PACTO que temos todos com Ele.
Fé não se reduz, como vimos, ao intelecto, como uma certeza científica, ou mesmo crença, que temos na mente – esta, até os demônios tem, e tremem... ( creio que, em relação a religião, a maioria parece ter mais mesmo é opinião...). A Fé não é uma parte isolada de nossa experiência religiosa mas, precisamente, pelos seus frutos, determina todas as demais ações do homem e da mulher. Para tanto necessitamos exercitá-la, fortalece-la, e contamos com a Providência para isso, conforme nos esclarece TIAGO, no capítulo 1 verso 3: Meus irmãos, sintam-se felizes quando passarem por todo tipo de aflições. Pois vocês sabem que, quando a sua fé vence essas provações, ela produz perseverança. E como uma pessoa pode entender este aparente paradoxo (ser feliz na provação), se não for humilde, pelo exemplo do Cristo? Muitos, per ipso, não entendem mesmo o que significa o requerimento de Cristo para quem O deseja seguir - primeiro, negue-se a si mesmo, segundo, tome a sua cruz e, terceiro, 'siga-Me'...
Assim, vemos que humildade liga-se à Fé, e Fé, em decorrência, liga-se ao amor, como o Apóstolo Paulo ensina, em GALATAS 5, 5 e 6: Mas nós temos a esperança de que Deus nos aceitará, e é isso o que esperamos pelo poder do Espírito de Deus, que age por meio da nossa fé. Pois, quando estamos unidos com Cristo Jesus, não faz diferença nenhuma estar ou não estar circuncidado. O que importa é a fé que age por meio do amor.