Vivemos em uma era aparentemente paradoxal. Nunca antes na história da humanidade estivemos tão cercados por fontes de informação — para o bem e para o mal – e, no entanto, nunca estivemos tão desorientados quanto ao sentido profundo de nosso lugar no mundo. As TIC – tecnologias digitais de informação e comunicação – e os fluxos contínuos de dados reconfiguram as formas de viver, pensar, sentir e se relacionar. Nesse contexto, a alienação não desapareceu. Ao contrário, disfarçou-se, tornou-se mais sutil, mais insidiosa, mais internalizada. O presente ensaio propõe uma rápida mas necessária reflexão sobre como, na atualidade, a alienação modifica o homem em suas dimensões cognitivas, afetivas, sociais e existenciais.
Falemos inicialmente de certa ilusão do “saber”, que degenera em certeira alienação da consciência crítica. Na sociedade dita ‘da informação’, o acúmulo de dados é muitas vezes confundido com conhecimento. O indivíduo é “bombardeado” a todo instante por conteúdos diversos (em gênero e grau), em ritmo acelerado, com pouco ou nenhum tempo para a “digestão” crítica. A pressa de consumir substitui a lentidão da apropriada interpretação, que conduz à adequada compreensão. As narrativas surgem como que prontas, “mastigadas”, diagramadas para atribuirmos “likes" e provermos compartilhamentos. A consequência é clara: a mente torna-se reativa em vez de reflexiva. A alienação, aqui, se manifesta como um entorpecimento da Razão — o homem deixa de pensar por si mesmo e passa a repetir, a ecoar, a seguir, a concordar…
Por outro lado, a identidade humana, antes construída na intimidade da experiência vivenciada (ou seja, pessoalmente significada) e da história de vida, torna-se cada vez mais performática. O sujeito contemporâneo não apenas vive, mas se exibe (con?)vivendo. As redes sociais transformam a vida em vitrine, e o indivíduo, em marca. Nessa “lógica”, o valor do ser é substituído pelo valor do parecer. A alienação da identidade consiste, então, na perda de contato com o próprio Eu autêntico. Em busca de aprovação, o homem adere a máscaras. Vive para agradar o outro — o algoritmo, a turma, a galera, o grupo, o público, o mercado.
Outra dimensão decorrente que merece atenção seria a da “solidão em rede”, configurando certa alienação, certo afastamento das relações humanas. Curiosamente, observamos que a hiperconectividade traz consigo um isolamento paradoxal. O homem atual está “online" mas, como se considera, raramente está presente. Os vínculos virtuais substituem os encontros reais; os emojis, os afetos genuínos. Com isso, a empatia, a escuta profunda e o diálogo tornam-se enviesados, distorcidos ou mesmo raros. A alienação nas relações humanas reside na substituição do encontro pelo contato, do vínculo pela interação superficial, descompromissada. As relações se tornam como que descartáveis, e o outro é percebido não como sujeito, pessoa, mas como veículo, estímulo ou obstáculo.
Observamos nesse cenário uma outra dimensão que merece destaque: o tempo, que se mostra fragmentado, desdobrando-se na divisão insuspeitada entre atenção e presença. O capital mais precioso do século XXI não é o dinheiro, mas a atenção. As plataformas digitais competem por segundos da mente humana, moldando seus hábitos e seus ritmos. O resultado é uma atenção dispersa,, ansiosa -- não cônscia… O homem, incapaz de sustentar o silêncio ou a espera, vive em estado de distração permanente. A alienação do tempo se expressa na perda da profundidade: não se lê longamente, não se conversa (diálogo) demoradamente, não se contempla. Tudo é imediato, volátil, efêmero e mediado… A multiplicidade de discursos, verdades alternativas (apresentadas em geral de modo polarizado) e manipulações informacionais tem corroído o senso comum da realidade. Em um mundo onde todos podem dizer “tudo”, o critério de verdade torna-se frágil. A alienação da realidade ocorre quando o indivíduo perde a capacidade de discernir o que é real do que é fabricado, confundindo opinião com fato, crença com evidência. Tal confusão favorece extremismos, polarizações, terraplanismos, pós-verdades e a erosão da confiança coletiva.
Assim, em decorrência, a forma mais radical de alienação caminha para a perda de sentido. Quando o homem é reduzido a consumidor, a figurante de estatísticas, a produtor de conteúdo, ele se distancia das perguntas fundamentais: Quem sou eu? Para que estou aqui? O que é o Bem, o Belo, o Justo? A vida é vivida com pressa, sem pausa para a contemplação do mistério que a sustenta. O homem alienado existencialmente não sabe mais sonhar, imaginar, transcender — ele vive no plano efêmero da superfície, anestesiado pela rotina e apartado pelas delusionais e constantes alheações.
E quais são os caminhos disponíveis para enfrentar a alienação, superando-a? Podemos divisar que é urgente o cultivo de práticas que permitam ao homem recuperar sua inteireza, entre elas o silêncio; a escuta; a leitura lenta e atenta; a amizade fraterna, honesta e verdadeira; o diálogo filosófico; a espiritualidade livre de liames do homem; o engajamento ético. Contra a alienação, propõe-se um retorno à busca infinda pela realizante interioridade, ou seja, à contemplação, ao compromisso, à ação plena de responsabilidade.
Superar a alienação não é rejeitar a modernidade e seus produtos, mas atravessá-la com lucidez. É fazer da informação um instrumento de criticidade, de busca pela sabedoria; fazer da tecnologia um meio de encontro e, fazer da vida — não um mero espetáculo — mas um caminho consciente e desafiador de resposta ao que nos interpela; vida de efetiva, grata e participante presença, vida de comprometimento, vida de entrega efetiva; de construtiva dialogicidade, de verdade e de sentido...