A V I S O


I am a Freemason and a member of both the regular, recognized ARLS Presidente Roosevelt 75 (São João da Boa Vista, SP) and the GLESP Grande Loja do Estado de São Paulo, Brazil. However, unless otherwise attributed, the opinions expressed in this blog are my own, or of others expressing theirs by posting comments. I do not in any way represent the official positions of my lodge or Grand Lodge, any associated organization of which I may or may not be a member, or the fraternity of Freemasonry as a whole.

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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Virtudes... a Temperança.

 


[ Hoje estou a escutar na Amazon Music Prime uma jazzista de traços orientais,
e de curioso nome: Grace Kelly ]

Voltemos ao nosso assunto sobre a Ética das Virtudes. Analiso brevemente a temperança que, conforme os dicionários, seria a qualidade de quem é moderado, comedido (em especial nos dia de hoje em relação às comidas ou bebidas mas, ao que parece, nem tanto com os modos à mesa...), equilibrado, parcimonioso. Esta importante e pouco apreciada virtude, que regularia pela Razão nossos apetites ou desejos sensuais, permitiría-nos assim desfrutar melhor das benesses ao nosso alcance, posto que seria portanto um gozo mais esclarecido, dominado, cultivado, apreciado de modo equânime. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, diria alguém. 

Temperantes, somos senhores de nossos prazeres, não escravos, pois desfrutamos ali juntamente a nossa própria liberdade. Intemperantes, nos tornamos vassalos de nossos corpos, de nossos desejos, de nossos incontroláveis hábitos, aprisionados em sua força ou fraqueza... Se sou temperante, consigo contentar-me com pouco, visto que não é questão de quanto, mas sim do poder que me concedo ao apreciar, e este decididamente um apreciar superior. Revela o temperante um árduo trabalho de vasculhar o desejo sobre si mesmo, visando não a superação ou mera satisfação a partir dos nossos limites, mas sim visando a respeita-los. O intemperante está sempre triste, pois nunca se satisfaz com o necessário e suficiente para viver numa sociedade de abundância relativa, mas a cada momento deseja (e sofre, pela percebida incompletude) mais e mais...

Duas prisões aqui nos sujeitam: quando nos comparamos com o outro (em seu aparente ou efetivo desfrute de algo) e na ilusão da especificação, determinação-quantificação de algo para que venha a nos satisfazer efetivamente. Nossa régua, nosso standard, ilustrado ou estabelecido p. ex.  pela moda, propaganda ou pela vaidade de emular (possível) felicidade do outro, fatalmente entorpece nosso julgamento. O outro ou outra 'sempre' parece ser mais feliz ou realizado que a gente. Tais armadilhas podem estar na raiz de muitos adoecimentos que observamos em sociedade. Por exemplo, nunca consigo entender, por mais que examine as muitas hipóteses, porquê tantas criaturas utilizam substâncias que alteram a consciência... Consumir algo que altera a química de nosso ser em si já deveria ser algo a se duvidar ou desconfiar. Mas mais e mais vemos pessoas se entorpecendo, insatisfeitas, fragilizadas.. Falta instrução, orientação ou amor-próprio? 

As forças do ser do homem voltadas por natureza para a autoconservação, aperfeiçoamento e realização são aquelas mesmas forças que podem desnaturalizar o homem para a autodestruição. Assim, creio que a introspecção metódica da pessoa se impõe como chave para o correto situar-se perante este mundo com tantas 'tentações' - se nos conhecermos melhor poderemos estabelecer e respeitar os limites do desfrutar libertador das coisas que - ao final e ao cabo -  não nos pertencem, mas que insistimos em possuir, ocupar, 'domar'. Ledo engano!


terça-feira, 9 de outubro de 2012

O sonhar

ilustração obtida agora de
http://sonhoslucidus.blogspot.com.br

Eu queria discutir agora sonho enquanto conjunto - por vezes 'maluco' - de imagens, de pensamentos ou de certas fantasias que se apresentam à mente durante o sono, e não tanto sonho como sequência de ideias soltas e, por vezes,  incoerentes, ilusórias, às quais o espírito se entrega. Esta última concepção seria aqueles devaneios, expectativas que criamos, em geral bem mais alegres e afortunadas do que merecemos ou efetivamente lutamos por elas. Estas expectativas podem fazer parte de nossos sonhos, mas não são tão fundamentais assim para construir esta atividade natural que está incluída no dormir.

Faz tempo que penso nisso, pois não sei se por causa da idade, mas os meus sonhos tem sido cada vez mais 'amalucados" e elaborados, complexos, enredos que mereciam filme... O que vejo é que meus sonhos são muito criativos, engraçados, problemáticos e desafiadores. Tem sempre uma tarefa a realizar, percalços a sobrepujar, mas sem graves ameaças ou perigos nefastos. Não tem conteúdo que me envergonhe ou me faça menor perante mim mesmo ou os outros. Consigo ver muitas vezes, enquanto estou a sonhar, que aquilo tudo é um sonho, mas a história segue em geral como um cinema que desfruto magicamente, pois não sinto dor quando caio, não sinto sede ou fome e também não sinto cheiros ou outras sensações perceptuais mais radicais. Outro dia sonhei que realizava uma atividade que cumpri por muitos anos, com alegria: correr, exercitar por 15, 20 kilometros facilmente. Revivi a alegria e satisfação que era, apesar de averiguar que era um sonho. Hoje, por problemas de articulação de joelhos (resultado de desgaste, que fazer...) não posso correr nas ruas, somente corrida estacionária, usando aquele mini-trampolim, como disse aqui em outro post.

Os neurocientistas tem se debruçado sobre a temática e, ao que sei, esta atividade essencial de sonhar revela-se como uma construção natural do cérebro, um certo composto  emaranhado de coisas que pensamos durante o dia, também de coisas que estão guardadas na memória e também de coisas, parece, que estão ainda a acontecer (isto é bem polêmico, sei, mas que tem, tem... quem nunca teve sonhos premonitórios?). Desta constatação simples podemos inferir que o conteúdo do sonho revela em grande parte o que costumamos ficar pensando e considerando em vigília.  Se você pensa coisa boa, prática, teus sonhos refletirão isso; se costumas pensar coisas ruins, ameaçadoras, este conteúdo vai povoar teus sonhos, resultando em pesadelos e todo tipo de sonho aflitivo, aterrador. Obviamente tem aqueles sonhos que refletem abusos gastronômicos ou de substancia entorpecente (álcool, principalmente)  ou falta de ar quando se tem apneia, mas aí a explicação do conteúdo do sonho é manifesto: pesadelos 'fisiológicos'...

Não vou entrar aqui em considerações sobre origens subterrâneas destes maus sonhos, como se uma entidade ou homúnculo habitasse nossa mente ou espírito, e aproveitasse a noite para se manifestar. Este negócio de dizer que temos uma 'inacessível' vida mental inconsciente que por vezes aparece quando sonhamos é muito duvidoso, polêmico, e por mais que especulemos não chegamos a conclusão útil para, enquanto ferramenta, metodizar nosso viver (certas correntes em Religião ou Psicologia acreditam que sim...). Mas eu, pessoalmente, não creio que seja tão válido esta tecnologia toda que certos estudiosos desenvolveram: continua-se ao final e ao cabo refém de uma vida inacessível (que tem sua própria lógica...) que não formula ou revela liames fidedignos para termos certeza de estarmos no caminho certo do seu apropriado manuseio... 

Assim, creio que vigiar o que pensamos (e o modo como pensamos o mundo e o viver) é uma maneira de termos bons sonhos; do modo com que se considera a vida e o quê da vida se considera são os maiores componentes dos sonhos, de agora e doravante. Vejo que muita gente dá muita importância ao que se sonha, e se esquece da vida cons-ciente que vive e que, afinal, é o que temos (o viver, nossa particular vivência) mais à mão para exercitarmos cônscia e refletidamente a Razão, ponderando como podemos autonomamente dispor de nossas faculdades e recursos para a passo e passo evoluir, desenvolvermo-nos na realização do potencial de cada um, aperfeiçoando nossa práxis diária.

sábado, 9 de julho de 2011

'Esfinge' (ou minha Mona Lisa), fábula e outros comentários.

Ruth Barroso - meu arquivo pessoal

          Sim, é Bilú, em foto normal (ela pediu para não colocar, sabe como é mulher vaidosa; mas é ela, 'total', misteriosa, uma 'Mona Lisa' com estes olhinhos tristes que me cativa, e é a ilustração do que quero iniciar este post) do dia-a-dia. Uma mulher como as outras, mas tão especial - minha esposa! Disse dos olhinhos tristes porque ela tem tantas memórias e lembranças que me esconde, como uma esfinge a ser decrifrada - pergunto a ela a razão da tristezinha e ela nunca me diz (bem, às vezes sim, depois de muito implorar...). Mas o normal é ve-la enigmática,  sorumbática, ensimesmada, em vero solipsismo. Entendo-a. Vivi muitos anos da adolescência assim, organizando meus pensamentos confusos, mesclados. Passava horas no quintal de casa (que saudades da rua 3, #95, em Rio Claro, em frente ao Velo Club; um dia preciso fazer um post desta casa, onde moramos por 45 anos...) cogitando, cismando  (penso que nestas fases muitos se viciam em cigarro ou bebida ou algo pior - é complicado confrontar-se; felizmente, pela Graça de Deus, tive pais ótimos que pavimentaram bom caminho, sem perigo de desvio ruinoso, como tanto se vê hoje em dia). Mas o assunto é Bilú: que rica vida interior, seguramente! Mas ela não compartilha muito, a não ser que eu me aproxime com jeito e na hora dela, que coisa!  Mas vale a pena; que bom seria se tivéssemos nos encontrado antes - era com ela que eu tinha que ter minha prole; estariam todos perto da gente, e ambos curtindo nossos netos e uma vida como deve ser, não esta solidão de casal que ninguém nota, ninguém priva... Paciência.

toalhas de fio barbante (por Ruth Barroso)

          Vejam estes caminhos de mesa. Fotografei-os pelo celular Nokia agora cedo. Clique na foto para ver melhor os detalhes. Imagine que Bilú elabora estes intrincados trabalhos numa tarde!  Que velocidade... Ela maneja a pequena agulha com tanta maestria que fico embasbacado. Ela diz que aprendeu com sua querida avó Maria (de sua mãe Lourdes, minha querida sogra - já vi Bilú fazendo de olhos fechados os complexos pontos!) e que é sua 'terapia' - quase a invejo. Tenho as minhas terapias também, como escutar hinos sacros antigos (tenho 20 CDs instrumentais,  presentes de minha querida filha Marília quando fui a visitar nos Estados Unidos,  são quase 400 preciosas obras musicais) ou ler, ler, ler... (antes, montava aviões em miniatura e aeromodelos de madeira de balsa, e colecionava moedas quando criança; na faculdade, fumava cachimbo).

          Continuo relendo, estudando As Institutas da Religião Cristã, de João Calvino, sua obra prima.  Que obra maravilhosa, quanto esclarecimento. Estou no volume II (são quatro) realizando novamente ali a intelecção sobre o arrependimento. Aprendi muito sobre o perdão divino e sobre o confessar  de nossos pecados. Como saber com clareza sobre a Vontade de Deus se não nos aplicarmos a desvendar, mediante nossa limitada mente, a Palavra? Graças dou ao meu Pai Celestial ter chamado a Calvino para nos ajudar, com sua imensa erudição e disciplinada argumentação, a controlar nossa mente carnal e incompleta inteligência, colocando em ordem cristalina e inequívoca o santo ensino, de modo a que possamos discernir o Plano que Deus tem para nós, sem desvios das nossas crendices e desejos pessoais! Que santo privilégio termos As Institutas em nossas mãos! É o melhor livro, depois da Bíblia... Para mim, consigo entender de modo explícito, evidente, a Palavra, sob Calvino e suas meditações e preciosa reflexão fundada  somente nas Escrituras. Uma alma santa, alçada pelo Pai em nosso favor, como Agostinho, Lutero e tantos outros.

          Agora, uma fábula. Escolhi hoje a de número LXVI, do libreto já citado em outros post. Chama-se O Vento e o Sol. Conta a quimera que... Certa vez o vento e o sol tiveram uma discussão sobre qual era o mais forte dos dois e então concordaram em resolver a questão por meio de uma competição: aquele que primeiro fizesse um viajante tirar seu paletó seria reconhecido como o mais poderoso. O Vento iniciou e soprou com toda sua força, levantando uma rajada de ventania fria e aterradora como uma tempestade do Alasca. O mais fortemente ele golpeava, mais apertado o viajante segurava em si seu paletó com as mãos. Então o Sol surgiu, e com seus raios abundantes dispersou as nuvens e o frio. O viajante sentiu a súbita mornura e, assim como o sol  foi brilhando mais e mais, ele sentou-se, dominado pelo calor e, abrasado,  jogou seu paletó ao chão.

          Dessarte, o Sol foi declarado vencedor e, desde então, a persuasão é apreciada em mais elevada estima do que a força. Realmente, um alvorecer luminoso ou as gentis maneiras abrem mais prontamente o coração das pessoas do que todas as ameaças e a força de uma tumultuosa autoridade. 

          Gosto desta fabela pois encerra precioso ensinamento - temos que aprimorar os modos pelas quais a alma humana é alcançada, mesmo as mais encapsuladas e renitentes em se desvelar (em especial as femininas...). Que esfuziante desafio! Mas o importante é auferirmos  a regra geral de que mais vale usar a razão, a calma e a persistência (o que se nos custa...) para demonstrar ao próximo o acerto de nossas idéias (o quanto seja, cremos,  errônea a do outro) do que fazer, como muitos, por preguiça ou impaciência ou incapacidade, uso da força, do 'argumento baculino' (de báculo...).

Ruth e uma de suas melhores amigas,
a sua colega de faculdade, a querida Lígia.
( foto por Lucas V. Dutra )

sábado, 8 de janeiro de 2011

Natureza Humana

            Há algum tempo fiz uma pequena tradução e adaptei uma fração do conteúdo inicial de uma secção da Britannica que introduzia os principais conceitos da Antropologia Filosófica, para uso em sala de aula (TILES, M. E. Philosophical Anthropology – The Concept of Human Nature. In: Encyclopædia Britannica, Inc., Chicago. Vol.25, 15TH Edition, 1994, p.550-551). Como estou retomando este tema para construir um artigo que pretendo publicar, coloco aqui o mesmo para informação.
  
A NATUREZA HUMANA

Para situarmos o estudo do Homem em seus diversos campos, precisamos refletir inicialmente sobre seu status perante o universo, e o propósito ou sentido da vida humana. Sob este pano de fundo podemos então nos dedicar, p. ex., às questões sobre se (quando e como) existe sentido para sua existência, ou quando o Homem pode tornar-se objeto de estudo sistemático.

Uma destas considerações iniciais concerne à discussão do que seja a natureza humana. A natureza desta conceituação é uma preocupação corriqueira no pensamento moderno. A pessoa comum compreende o que seja “natureza humana” através do caráter e da conduta das pessoas com quem se relaciona. Baseada no que seus semelhantes realizam, no modo como se comportam, a pessoa reconhece qualidades que não a surpreendem; esta pessoa forma expectativas sobre as qualidades (e condutas) compartilhadas com os demais e sobre as maneiras diversas em que se diferenciam dele e de outros viventes, como cães ou amebas. Pessoas são orgulhosas, sensíveis, ávidas por reconhecimento ou admiração, mormente ambiciosas, esperançosas, egoístas ou capazes de auto-sacrifício. As pessoas obtêm satisfação com suas conquistas, são leais ou desleais e, em especial, carregam dentro de si algo misterioso, imaterial e inextenso, denominado consciência, que se expressa, se realiza, em especial, pela linguagem. A pessoa, mediante sua experiência diuturna, lidando com (ou observando) os diversos entes, concebe predições sobre amplas formas de condutas, e as comunica, verbaliza, rotulando-as de ‘irracionais’, ‘bestiais’, ‘inumanas’, ‘anormais’, ‘santas’, ‘excepcionais’, ‘valorosas’, ‘corajosas’, etc.

Por outro lado, a concepção comum de natureza humana situa implicitamente o Homem numa escala de perfeição, alçando-o acima dos animais, mas abaixo dos santos, profetas ou anjos. Esta idéia foi incorporada no tema (originalmente oriundo da Grécia Clássica) da Grande Cadeia do Ser – uma ordem hierárquica ascendente, do mais simples e inerte ao mais complexo e ativo: mineral, vegetal, animal, homem e, finalmente, seres divinos superiores ao homem. Na Idade Média estes seres divinos constituíam as diversas ordens de seres supra-naturais, extraordinários, sendo Deus como o singular entre eles, suprema perfeição onipotente e onisciente. Havia a tendência, nesta teoria, de assumir-se a irmandade dos homens, considerados seres humanos plenos, em virtude de serem classificados, diferenciados acima de quaisquer outros animais situados concretamente na ordem das coisas. Ainda assim, dentre a coletânea de noções normalmente empregadas nestes âmbitos, requeria-se uma definição mais precisa do que seria a natureza humana.

Até o Século XV o entendimento comum, padrão, era de que o homem possuía uma natureza fixa, determinada por seu lugar no Universo e seu destino. Os humanistas da Renascença, entretanto, proclamaram que o que distinguia o Homem de todas as demais criaturas era que ele não possuía natureza. Era uma maneira de asseverar que as ações do Homem não eram lastreadas nas leis da Natureza no mesmo sentido dos animais. O Homem era capaz de assumir responsabilidade pelas suas ações porque ele tinha o exercício de seu livre-arbítrio. Esta visão recebeu duas interpretações subseqüentes:

- primeiro, de que o caráter humano era indefinidamente plástico; a cada indivíduo era concedida determinada forma pelo ambiente no qual nasceu, desenvolveu-se e viveu. Neste caso, mudanças ou desenvolvimento em seres humanos seriam relegados como produto de mudanças culturais ou sociais, mudanças em si mormente mais rápidas do que a evolução biológica. Aqui, disciplinas como História, Política, Sociologia, mais do que Biologia, deveriam ser averiguadas para um adequado entendimento dos processos. Mas se estas primeiras disciplinas constituem o estudo básico do Homem, então emerge a questão de que em que extensão as mesmas podem seguir um escrutínio, um programa científico. Os métodos da História não são, nem podem seguir os métodos das ciências naturais. A legitimidade das afirmativas das denominadas ciências sociais (ou humanas) em assumir o método científico tem sido questionada e permanece em aberto.

- segundo, cada indivíduo é único, autônomo e deve construir-se a si próprio. Assertivas sobre a autonomia do Homem envolvem a rejeição da possibilidade da descoberta de leis do comportamento humano ou do curso da História. Liberdade não é determinada por leis, ou pela Natureza. Neste caso, o estudo do Homem não poderia nunca encontrar um paralelo nas ciências naturais, com suas estruturas teóricas baseadas na descoberta das leis da Natureza.

Anteriormente, os gregos clássicos, notadamente Platão e Aristóteles, introduziram as noções de forma, natureza, ou essência como conceito (metafísico) explanatório. Variações deste conceito eram basilares no pensamento ocidental até o Século XVII. Observações do mundo natural levantaram a questão do por que as criaturas reproduziam-se segundo sua espécie, e não derivavam outras dissimilares. Para explicar este fenômeno, postulou-se que as sementes, tanto vegetal quanto animal, deveriam cada uma conter internamente, em si, as mesmas características, forma, natureza ou essência das espécies de onde derivaram, e nas quais as mesmas deveriam desenvolver-se subseqüentemente. Este padrão de explicação é preservado no modelo biológico moderno de código genético, incorporado na estrutura molecular do DNA de cada célula. Entretanto, há importantes diferenças entre o conceito moderno de código genético e o antigo, derivado do conceito clássico grego de forma ou essência:

- primeiro, biólogos hoje em dia são capazes de localizar, isolar, experimentar, analisar e manipular moléculas de DNA, o que convencionou-se denominar engenharia genética. Sendo estruturas responsáveis pelo desenvolvimento físico, as moléculas de DNA representam os meios pelos quais o homem pode ser biologicamente caracterizado. Formas ou essências, por outro lado, não são observáveis; se suportassem existências independentes, seriam entidades imateriais. A forma, natureza ou essência do homem ou de qualquer outra espécie de ser, foi colocada como um princípio presente na ‘coisa’, determinando sua espécie através da produção, nesta ‘coisa’, de uma tendência inata a ‘esforçar-se’ para desenvolver a si num perfeito exemplo de sua espécie -- para preencher sua natureza e realizar seu potencial total de ser ‘coisa’ de um determinado tipo. Tal princípio fez surgir a visão teleológica (que tem um determinado objetivo, propósito) do mundo natural no qual os desenvolvimentos foram explanados pela referência à meta em direção à qual cada coisa natural, por sua natureza, se empenha; em outras palavras, pela alusão à forma ideal que esta coisa visava realizar. Em contraste, a estrutura genética presente em cada célula é hoje invocada para explicar o desenvolvimento de um organismo de um modo não-proposital, mecanicista. Em outros termos, o desenvolvimento é demonstrado ser dependente da estrutura genética, e portanto determinado por estruturas e condições preexistentes.

- segundo, a mutabilidade genética forma uma parte essencial da moderna biologia evolutiva. Não somente há diferenças entre indivíduos de uma dada espécie, dando conta de dessemelhanças entre eles na sua configuração, como coloração ou tamanho, mas também a mutação genética aleatória, na presença de condições ambientais alteradas, pode resultar em alterações na constituição genética das espécies como um todo. Portanto, na teoria biológica evolucionária, as espécies não são estáveis ; tipos naturais não têm as formas ou essências fixas ou imutáveis da biologia antes do advento da teoria evolucionária.

Sob este pano de fundo, se a natureza humana é entendida simplesmente como uma forma especial do homem que é herdada biologicamente como em todas as espécies, permanece o delicado problema da descoberta, em qualquer caso dado, de qual é o papel que o ambiente possui na determinação das características dos membros maduros das espécies em geral, e no caso do homem em particular. Aqui, mesmo no caso de características puramente fisiológicas, este objetivo pode ser complexo: p.ex., a extensão em que a dieta, exercício e condições de trabalho determinam aspectos como suscetibilidade a doenças coronarianas e câncer. No caso de características comportamentais e psicológicas, como inteligência, as dificuldades são multiplicadas ao extremo, onde a mera pesquisa empírica não oferece ainda hoje explicações suficientemente convincentes. Há muito debate conceitual sobre o que é inteligência e, por extensão, sobre a forma e instrumentos construídos para sua mensuração. Ainda é objeto de sérias controvérsias a determinação da amplitude de como e quanto do nível de inteligência de um indivíduo é naturalmente determinado no nascimento (ou na concepção/gestação), em contraste com sua exposição ao ambiente, o que determinaria (concomitantemente à maturação e crescimento do indivíduo), as condições do desenvolvimento de todas as suas capacidades.

Existe outra vertente desta discussão sobre o quanto da variabilidade dos níveis de inteligência é um produto das variações das condições de nascimento (no qual as pessoas têm o mesmo potencial inicial), versus a variação dos níveis de inteligência é um reflexo das variações no ambiente nos quais as pessoas amadurecem, se desenvolvem. Seria precisamente a questão de que em que aspecto existiria algo como uma natureza humana comum a todos os seres humanos ou, dito de outra maneira, de que modo existem diferenças intrínsecas entre todos os que pertencem à espécie Homo Sapiens. Como o termo sapiens denota, homens são tradicionalmente compreendidos como distinguidos de (e privilegiados sobre) os demais viventes em virtude de possuir intelecto, ou razão.

Considere agora que, quando o intelecto é valorizado positivamente como o que é distintivamente humano e o que confere superioridade ao homem, a afirmativa de que diferentes raças de pessoas difere naturalmente em suas capacidades intelectuais tem sido utilizada como justificação para uma variedade de atitudes e políticas racistas. As pessoas pertencentes a outras raças supostamente inferiorizadas no desenvolvimento intelectual são classificadas como “inferiores” em relação aos demais humanos plenos, ditos “completos”. Como decorrência, necessitariam menos e mereceriam menos dos amplos direitos humanos. Do mesmo modo, o pensamento de que as mulheres são, por natureza, intelectualmente inferiores tem sido usado como justificativa para sua dominação pelo homem, recusando-se a elas assim acesso a educação e a certas prerrogativas legais. Por outro lado, se diferenças na capacidade intelectual adulta é decorrência do produto de circunstâncias pelas quais pessoas similarmente capazes são igualmente alcançadas, a atitude é considerar todos eqüitativamente humanos, mas com alguns como tendo sido mais privilegiados do que outros...

Finalizando, este debate sobre inteligência e racionalidade provê, entre outros, um exemplo da complexidade do tema em geral, e do impacto da biologia evolutiva nas concepções da natureza humana, em particular. As tradições dominantes do pensamento ocidental sobre a natureza humana tenderam a concentrar suas atenções mais sobre as distintividades do Homem sobre os animais do que na estrita constituição biológica comum que todos (Homem e animais) compartilham. Por sua vez, possuir razão ou intelecto está longe de ser o único aspecto a ser considerado no rol destas características distintivas. O Homem tem sido considerado essencialmente como um usuário (ou fabricante) de ferramentas (Homo Faber), essencialmente como um ente social; de modo idêntico (como o único) usuário da Linguagem, e assim por diante. Estas visões representam diferentes concepções do que seja o atributo fundamental que dá origem às demais qualidades consideradas como distintivamente humanas, e que serviria para marcadamente alçá-lo acima dos demais animais. Estas características todas centram-se nos aspectos mentais, intelectuais, psicológicos, isto é, características em princípio não-fisiológicas (1), abrindo flancos para outro antigo debate, sobre a relação entre mente e corpo. Ainda uma questão em aberto, a constituição do que seja ‘mente’ e a constituição do que seja ‘corpo’, subsidiando a discussão da relação presumida entre uma entidade mental e outra entidade corpórea, embasa, por extensão, as considerações centrais do debate do que seja a natureza humana. O que parece concluir-se é que o debate sobre as questões dos atributos e das mudanças na natureza humana, bem como sua possível evolução, permanecerão relativamente dependentes dos debates sobre a mudança neuro-anátomo-fisiológica e, mais estritamente, da evolução biológica, além dos aspectos imateriais ligados à mente (e sua presumida relação com o corpo), à consciência, e ao intelecto.


(1) Note-se que há considerável controvérsia a respeito desta afirmativa.