Gravura medieval
Do libreto de Fábulas... (traduzido de AESOP'S FABLES, The Horse and the Stag, XC. London: Penguin Books, 1996, p. 93 - Penguin Popular Classics, vol. 20. Selected and Adapted by Jack Zipes)
Um cavalo certa vez possuiu uma pradaria inteiramente para si, mas um cervo surgiu e danificou a pastagem. Ansioso para vingar-se, o cavalo perguntou a um homem se este poderia auxilia-lo a punir o cervo. 'Sim', disse o homem, 'mas você deve me deixar colocar um travão em sua boca e subir no seu dorso. Depois eu irei encontrar as armas para castigar o cervo'.
O cavalo concordou e o homem o cavalgou. Desde então, entretanto, em vez de obter a vingança, o cavalo tem sido escravo da humanidade. Moral da estória: Vingança pode não ser de valor algum para alguém quando se paga por ele com sua própria liberdade.
É por demais encontradiça a situação onde, visando uma vantagem, a pessoa 'sacrifica' algo, decisão esta como que necessária para alcançar o benefício. Sempre se avalia o custo-benefício de tais e tais estratégias, e o cálculo, o cômputo dos prós e contras nada mais é do que um tipo de juízo que se percorre sobre probabilidades (que se estima), em diversos contextos.
Ocorre que esta habilidade de julgar é complexa e nem todos se esmeram em aperfeiçoa-la (supondo que todos a tenham...) e, no mais das vezes, as pessoas se revelam mais e mais impacientes. E, também, intrinsecamente, somos tendenciosos em considerar os fatos mais propícios (a nosso favor...) do que o são na realidade. Outro dia afirmei em uma palestra que somos mais propensos a acreditar naquilo que desejamos do que naquilo que vemos ou discernimos, mesmo pela razão.
O que 'sacrificamos' para conseguir coisas que imaginamos serem melhores para nós em geral são mais valiosas do que estas mesmas coisas - fato que constatamos depois do arrependimento nos visitar, com sua pesada carga... Existe certa cegueira que impede averiguar esta equação com clareza: os valores que utilizamos para pensar certas situações são viciados, distorcidos, enganosos. Assim, o cerne da dificuldade discutida aqui hoje reside em mal-avaliar o que já possuimos, e não possuir critérios para o correto confronto diário com aquilo que se nos (sedutoramente) apresenta. É, em grande medida, o que muitos filósofos e psicólogos denominam de 'auto-engano'. Enganamos a nós próprios - mas como pode ser isso? Crer em algo que se sabe inverídico? Mas isso é mais comum do que imagina... Digite 'auto-engano' e 'self-deception' no google e milhares de páginas surgirão - é um dos temas mais discutidos hoje em dia em psicologia e filosofia da mente. Voltaremos ao assunto.