A V I S O


I am a Freemason and a member of both the regular, recognized ARLS Presidente Roosevelt 75 (São João da Boa Vista, SP) and the GLESP Grande Loja do Estado de São Paulo, Brazil. However, unless otherwise attributed, the opinions expressed in this blog are my own, or of others expressing theirs by posting comments. I do not in any way represent the official positions of my lodge or Grand Lodge, any associated organization of which I may or may not be a member, or the fraternity of Freemasonry as a whole.

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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Virtudes... a Temperança.

 


[ Hoje estou a escutar na Amazon Music Prime uma jazzista de traços orientais,
e de curioso nome: Grace Kelly ]

Voltemos ao nosso assunto sobre a Ética das Virtudes. Analiso brevemente a temperança que, conforme os dicionários, seria a qualidade de quem é moderado, comedido (em especial nos dia de hoje em relação às comidas ou bebidas mas, ao que parece, nem tanto com os modos à mesa...), equilibrado, parcimonioso. Esta importante e pouco apreciada virtude, que regularia pela Razão nossos apetites ou desejos sensuais, permitiría-nos assim desfrutar melhor das benesses ao nosso alcance, posto que seria portanto um gozo mais esclarecido, dominado, cultivado, apreciado de modo equânime. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, diria alguém. 

Temperantes, somos senhores de nossos prazeres, não escravos, pois desfrutamos ali juntamente a nossa própria liberdade. Intemperantes, nos tornamos vassalos de nossos corpos, de nossos desejos, de nossos incontroláveis hábitos, aprisionados em sua força ou fraqueza... Se sou temperante, consigo contentar-me com pouco, visto que não é questão de quanto, mas sim do poder que me concedo ao apreciar, e este decididamente um apreciar superior. Revela o temperante um árduo trabalho de vasculhar o desejo sobre si mesmo, visando não a superação ou mera satisfação a partir dos nossos limites, mas sim visando a respeita-los. O intemperante está sempre triste, pois nunca se satisfaz com o necessário e suficiente para viver numa sociedade de abundância relativa, mas a cada momento deseja (e sofre, pela percebida incompletude) mais e mais...

Duas prisões aqui nos sujeitam: quando nos comparamos com o outro (em seu aparente ou efetivo desfrute de algo) e na ilusão da especificação, determinação-quantificação de algo para que venha a nos satisfazer efetivamente. Nossa régua, nosso standard, ilustrado ou estabelecido p. ex.  pela moda, propaganda ou pela vaidade de emular (possível) felicidade do outro, fatalmente entorpece nosso julgamento. O outro ou outra 'sempre' parece ser mais feliz ou realizado que a gente. Tais armadilhas podem estar na raiz de muitos adoecimentos que observamos em sociedade. Por exemplo, nunca consigo entender, por mais que examine as muitas hipóteses, porquê tantas criaturas utilizam substâncias que alteram a consciência... Consumir algo que altera a química de nosso ser em si já deveria ser algo a se duvidar ou desconfiar. Mas mais e mais vemos pessoas se entorpecendo, insatisfeitas, fragilizadas.. Falta instrução, orientação ou amor-próprio? 

As forças do ser do homem voltadas por natureza para a autoconservação, aperfeiçoamento e realização são aquelas mesmas forças que podem desnaturalizar o homem para a autodestruição. Assim, creio que a introspecção metódica da pessoa se impõe como chave para o correto situar-se perante este mundo com tantas 'tentações' - se nos conhecermos melhor poderemos estabelecer e respeitar os limites do desfrutar libertador das coisas que - ao final e ao cabo -  não nos pertencem, mas que insistimos em possuir, ocupar, 'domar'. Ledo engano!


quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Ética da Virtude: a Fidelidade.

Escrevo novamente sobre a Ética da Virtude, abordando um tópico específico  para aprofundar. Seria interessante ao leitor averiguar a minha postagem anterior a esta e minha outra postagem que se pode ler através deste link: https://reflexoesparsas.blogspot.com/2009/01/#3785834747266441385 para contextualizar o assunto de modo mais aprofundado. 

Hoje abordarei algumas nuances acerca da fidelidade. Este termo é derivado do latim fidelis, expressando atitude de quem é fiel, característica da constância do ente aos compromissos assumidos com outrem ou, complementarmente, aquela característica de quem demonstra zelo, respeito e lealdade, esta entendida como compromisso (quem está familiarizado com meus escritos sabe que, para mim, a tríade zelo-comprometimento-respeito é a essência ou substância do amor). Assim, a fidelidade faz parte intrínseca do amor. Quem verdadeiramente ama é fiel, é confiável, é honesto, é verdadeiro.

Um aspecto do ser fiel é a necessidade de primeiro ser fiel a si mesmo, a fidelidade de si para consigo, pois esta primeira fidelidade ao que somos, nossos valores etc. fundamenta nossos (exigentes, imprescritíveis) deveres, nossos compromissos. A pessoa deve cultivar-se, "conhecer-se" bem, para bem expressar fidelidade. Pois um aspecto que embasa o ser fiel é a fidelidade ao nosso bem-pensar, às nossas preciosas cogitações. Cultivar precisamente aqui o rigor, a correção, e esforçar-se para rememorar as boas ideias e intelecções que cultivamos, que experienciamos em nossa vida, querer conserva-las vivas, vibrantes, significativas. É assim antídoto a fanatismos, a dogmatismos, pois não tememos mudar de ideia, mas muda-la para melhor, como os fatos determinam, e não as preferências ou inclinações da moda ou do grupelho que possamos momentaneamente pertencer. Resumindo - fidelidade à verdade, e fidelidade à verdade lembrada (a verdade res-guardada, memorizada).

Exibe fidelidade quem cultiva em seu espírito a boa memória (porque a matéria não tem "memória", tem o seu ordenamento físico-eletro-químico), lembrando-se em seu pensar, daquilo que quer rememorar. Podemos decidir as coisas ou criar/inovar porque reunimos novamente coisas úteis, verdadeiras, previamente alocadas lá na mente. A verdade nos interpela!

Rememora bem quem cultiva pelo apropriado razonar o que experimenta, aquilo que ao final do processo "arquiva" na mente. O conhecimento é preciosa riqueza, que se deteriora se não polida, aperfeiçoada, questionada, trabalhada diuturnamente frente às novas experienciações que o viver (com sentido, com significado) propicia.

(Vemos aqui como a Educação é - também - importante no vivenciar humano com sentido e proveitoso resultado: não se pode bem viver se não se cultiva o viver bem, instruído pela Razão, algo que exige refinamento, esforço, instrução, reflexão)

Podemos intuir disto tudo o perigo da infidelidade que ronda perigosamente em torno de cada um de nós, o que vai exigir constante vigilância e discernimento aprimorado para evitar a (auto-)traição, que parece residir junto com a fidelidade. Mas no fundo é ilusão que nossa mente faz, como aquele que caçoa de si mesmo. Fidelidade fundamenta a racionalidade. Quem trai a si mesmo não se ama, e quem não tem amor-próprio não 'ama' nada bem e, pior, não pode exigir amor de ninguém...

Devemos ser fiéis à fidelidade.


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Ética da Virtude (de novo...); a polidez.

As quatro virtudes cardeais
( obtido de https://www.freemason.pt/vicios-e-virtudes-na-visao-maconica/ )

[ pedi à Alexa da Amazon tocar  James Taylor, como fundo musical... ]


A virtude, como explicou Aristóteles, é uma maneira de ser, mas no caso humano principalmente, como coisa adquirida e duradoura - é o que somos porque assim nos tornamos. A  virtude, como ensina o filósofo André Comte-Sponville, ocorre na intersecção da hominização (processo e fato biológico) com a humanização - uma exigência da Cultura, resultando em nossa capacidade de agir bem. Muitos filósofos se debruçaram sobre esta temática, como Montaigne, Spinoza, Confúcio, Rousseau... Aprendemos que por virtude devemos entender um esforço para se portar apropriadamente, de acordo, concorde com o Bem. A virtude, ou melhor, as virtudes, são os nossos valores morais vivenciados, atuados

Foi-me agradável surpresa constatar que minha centenária confraria dispôs-se a considerar, desde sua consolidação, a Ética como a chave para alcançar a excelência social (via as próprias conquistas individuais). Virtude seria uma qualidade pessoal que se conforma com o considerado reto, correto e desejável. Creio que uma das características que identificam o verdadeiro obreiro da Arte Real é o polimento de caráter que se expressa via virtudes, como por exemplo na dignidade nas atitudes finas, gentis, próprias de um gentleman, um cavalheiro que todos apreciam estar junto, um parâmetro escrupuloso de civilidade. Vou dedicar algumas publicações aqui neste blog expondo minhas reflexões que, espero, possam ajudar na intelecção de algum(a) interessado(a) neste tema de virtudes como expressão ética.

Como primeiro aspecto de virtude a ponderar, proponho a polidez. É um modo de agir que noto de certo modo escasso hoje em dia.  Nestes tempos turbulentos, chega a ser encarada como virtude ser polido, ter modos, etiqueta, urbanidade, um ser quase circunspecto. Alguns nem consideram polidez uma virtude, pois é pejada de formalidade, de aparato. Um fascista polido não altera a exclusão inerente do Fascismo que representa. Mas com tanta cizânia, intolerância, radicalismo, terraplanismo e outros 'ismos' hoje em dia, ser polido torna-se qualidade necessária à boa e saudável con-vivência. Mas, apesar de ser qualidade, vemos que pouco valor tem isoladamente. Um canalha polido é-nos ainda mais revoltante, pois traduz-se numa  contradição em termos

Mas ser polido parece ser  primeiro requisito que identifica certa preocupação, consideração de alguém para com o outro. Parece constituir-se no primeiro degrau rumo à moralidade. Como nenhuma virtude é natural, a pessoa deve tornar-se virtuosa. Vejo um aspecto de aprendizado (propedêutico) comportar-se com polidez como veículo, recurso para aquilatar-se melhores condutas. Não necessariamente alguém está respeitando um semelhante quando usa "por favor" ou "desculpe",  mas a talvez simulação de respeitabilidade pode tornar-se, por vários fatores, um hábito 'honesto', autêntico no futuro... Por isso insistimos com as crianças para comportarem-se polidamente, ainda que elas (com habitual relutância) não façam ideia por um bom tempo do valor de assim agirem com os demais.

Assim, como ninguém nasce com virtudes, a partir de doses 'homeopáticas' de seus (diversos) elementos podemos 'costurar' numa pessoa, pouco a pouco, as bases para que ela possa cultivar per se outros modos de ser mais complexos, que poderemos ao fim e ao cabo identificar como 'virtude'. Aristóteles já antigamente ensinou que "é praticando ações justas que nos tornamos justos". Definir/ensinar (a cada vez) para um vivente o que seria 'justo' envolve miríades de situações, exemplos, condutas e intencionalidades que, ao longo do tempo, poderão formar na mente de alguém um parâmetro estável para decidir-se agir com Justiça no seu fazer e (co)relacionar-se.

Por isso a importância da Família, onde lá, com paciência bem-humorada, começam (ou deveriam começar) os petizes a vivenciar o respeito dos usos e das boas maneiras...


sexta-feira, 20 de março de 2020

ARISTÓTELES

1. Este personagem acima foi um dos primeiros autores a discutir criteriosamente a vida ética, tão propalada hoje em dia... Sua discussão centralizou-se no aspecto das virtudes. Conforme consta no site www.significados.com.br, 'Virtude' é um conceito que remete para a conduta do ser humano, quando existe uma adaptação perfeita entre os princípios morais e a vontade humana. Virtude é a disposição de um indivíduo de praticar o bem; e não é apenas uma característica, trata-se de uma verdadeira inclinação; virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o caminho do bem. Lembrei-me destes aspectos ao ver hoje quando saí com Bilú uma senhorinha que, ao deparar-se com uma pedra no meio da calçada, abaixou-se e a removeu para o canto, de modo a prevenir outro possível (e incauto) passante de tropeçar nela e se machucar... Que alma virtuosa, fazer o bem pelo bem, sem pensar num outro alguém... Senti uma forte identidade/identificação com aquela gentil e nobre pessoinha ... Vejo gente dizendo que são faculdades do ser que se mostram escassos hoje em dia, mas minha percepção é outra: meus amigos e conhecidos tem muito destas características e identifico-as a todo instante...

2. Interessante agora que conheci realmente o que é o movimento da Maçonaria. Existe TANTA coisa na internet sobre ela, e muita coisa fake news... mentiras e perseguições. O fato é que esta centenária instituição é progressista e composta pelos melhores homens que pode existir, ainda que, como qualquer ajuntamento de pessoas, tenha aquela parcela degenerada, desviada, recalcitrante, que se regozija em ir (de modo 'traíra') contra a corrente.  O grande objetivo da Maçonaria é aperfeiçoar (principalmente pela Ética) cada pessoa individualmente e, assim, aperfeiçoar a sociedade...

3. Estive muito tempo afastado. Muitas coisas aconteceram em minha vida e, agora que vou me aposentar definitivamente da docência universitária (em fim de julho) vou colocar todo o assunto em dia... Coisas de velho, doenças, trabalho, a iniciação na Ordem Real... muita coisa boa, grandes aprendizados. Quem viver verá.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Do libreto de fábulas: Os Gansos e as Garças...

gravura obtida hoje de
 http://www.reporterdiario.com/blogs/ocorvo

Conta a fábula de Esopo (Jack Zipes' AESOP'S FABLES, Londres: Penguin Books, 1996, Penguin Popular Classics #20, fab. n. XCII, p. 95) que alguns gansos e garças estavam certo dia alimentando-se conjuntamente no mesmo campo quando uma armadilha caiu repentinamente sobre eles e elas. Desde que as garças eram mais magras e leves, elas puderam  voar facilmente e escaparam das redes da emboscada, do alçapão. Os gansos, entretanto, de certo modo presos ao chão pelo seu peso, não puderam alçar vôo tão facilmente e foram todas capturadas. Moral da história: Aqueles que são apanhados não são sempre os que tem maior culpa...

Longe de mim interpretar mal esta pequena estória. Quero 'filosofar' apenas num pequeno aspecto. A palavra culpa é por demais danosa em seus efeitos em nossa alma e, por vezes, nos apoquentamos, nos mortificamos desnecessariamente. Não creio que a maior parte dos arrependimentos ou tristeza em situações (principalmente de injustiça) se deva a auto-piedade ou desalento com o infortúnio, e sim com o fato de não podermos nos defender, de um lado ou, de outro, por estar a sofrer-se a desdita por ter agido bem, corretamente. 

Chega-se, em certos casos, a se arrepender da bondade ou da correção, da retidão,  que acreditamos fazer parte de nossa personalidade. Imagine: arrepender-se por ter agido bem, e somente pelo resultado não ter saído como esperado. É o maior conflito interior, horrível de se vivenciar! Mas este sentir se revela no seu possuidor como resultado de um raciocínio superficial, rasteiro, limitado. 

Uma alma assim ao que parece, ressente-se de não ter lido mais, não ter estudado sobre o testemunho de tantos que sofreram injustiças (até alguns com a própria vida), faltando um certo lastro de valores que instrumentalizem a tomada de decisão consciente de nossas condutas em situações de crise, que nos sobressaltam de qualquer forma.

Temos que agir bem porque é correto em si, e não porque vamos sofrer consequências se agirmos mal. Aquele ou aquela que não detém um estoque de virtudes que o(a) habilitem a agir da melhor forma no dia-a-dia não é mais do que uma folha ressequida ao sabor do vento ou das chuvas, que nem precisam ser assim, digamos, torrenciais.

O ser humano, como bem identificou Calvino (principalmente na sua obra prima As Institutas da Religião Cristã) e tantos outros, é um ser decaído, corrompido, tendente ao mal por natureza. Temos que nos vigiar constante e inexoravelmente, pois estamos tanto mais perto de Deus quanto podemos estar, no momento seguinte, nas garras do arrenegado, do beiçudo, do capeta, do demônio, do lúcifer, do mofento, do rabudo, do satã, do temba, do tinhoso...

Portanto, nada de desanimar; vamos ser tentados e provados nesta terra, e o perigo vem tanto de nós mesmos, por causa de nossa mente imperfeita, quanto do nosso próximo, imperfeito tanto quanto nós mesmos. 

domingo, 14 de agosto de 2011

Dia dos pais...


Livia e eu, há pouco...

          Hoje fomos a Campinas, Ruth e eu, comemorar Dia dos Pais com Geraldo, Firmina e meus manos (Luciano ficou em São Paulo com a Ines-quecível; curiosamente dois dos seus filhos estavam lá também...). Semana que vem vamos voltar lá pois é o aniversário de minha mãe.

          Pensei que iria ser mais um Dia dos Pais passado 'em branco' para mim, mas vi que tinha uma ligação de Livia ontem mesmo no celular (não pude atender pois estava visitando um casal amigo - nem levei o aparelho) e hoje cedo falei com ela; disse que tem uma cartinha para mim e vai me enviar pelo correio. Marília ligou dos Estados Unidos via skype e batemos um papo. Mariana ligou de Petrópolis, Rio de Janeiro (terra do sogro dela) quando cheguei a São João da Boa Vista no fim da tarde. José Geraldo deve ligar até a noite (mas ele tem viajado muito em seu novo trabalho, por diversos estados americanos) se ele puder, mas em todo caso nos falamos outro dia - inclusive por e-mail trocamos idéias sobre a viagem que estamos planejando realizar para lá, para conhecer nova neta que vai nascer no fim do ano.

         Invejo (no bom sentido) os pais que tem a bênção de ter seus filhos junto de si. Já comentei aqui a cruz de viver apartado dos rebentos. Costumava ficar triste, mas o Pai Celestial me acudiu, esclarecendo os fatos como são. A realidade é que devemos em tudo dar graças, e Deus, em Sua Soberania, dispõe tudo em nosso proveito, mesmo que não realizemos (à hora) esta intelecção. O que aprendi é que temos que ter muito cuidado em sentir pena de nós mesmos ou nos agitar, indignar com o que se nos acontece visto que, no mais das vezes, nós mesmos nos provocamos, nos determinamos nossas provações, nossos tropeços ou embaraços. Tremo quando vejo alguém praguejando, ou até mesmo blasfemando contra a Providência...
 
          O alicerce de uma família feliz começa com uma (auto)conciência firme do pacto que um casal estabelece entre si, como o representado pela nossa tradição cristã. Eu tive o privilégio de observar isso desde cedo, pelo exemplo que meus pais deram. Ainda que todos tenhamos as dificuldades normais de nossa natureza decaída (pelo nexo de Adão) podemos, com a Graça de Deus, suplantar nossas inclinações e construir, pelo diálogo e o cultivo de virtudes, as condições para manter um Lar onde as pessoas cresçam, amadureçam e frutifiquem. Agradeço a Deus a Família com que me abençoou. Oro a Ele para que conserve por muitos anos meus pais e irmãos, com saúde e alegria. Quando a poeira do tempo se dissipar por aqui, em algum lugar teremos a memória de tão favorecida e agraciada convivência.

Família Geraldo Vieira Dutra, na casa de Rio Claro (SP),
há uns bons anos atrás (eu já fui cabeludo...)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Bilú, a mulher...


           Muitos dirão que agora 'apelei'. É que minha esposa acaba de me assanhar aqui no escritório que tenho no apartamento. Se não houvesse uma Ruth teria que inventar uma. Que conjunto de virtudes e idiossincrasias. Quantos fãs ela tem! Difícil alguém não se apaixonar pela sua personalidade. As escrituras sagradas dizem ser um dom de Deus ter uma boa esposa e eu o sei quanto é verdade. Uma companheira que desmerece este epíteto desgraça inapelavelmente o vivente, sem dúvida. Pois eu me considero um renascido, um resgatado, um restaurado no matrimônio desde que conheci a Ruth, e isto aos 50. Ela sabe o que significa realizar uma parceria conjugal - configurar existencialmente uma dupla, uma equipe em todas as dimensões. Tarefa complexa dizer o quanto suas qualidades facilitam a diuturna tarefa de compartilhar. Mas sei que pouco seria nesta esfera atual se não tivesse sua assistência e amizade desinteressada. Sim, sou um apaixonado, ainda, daqueles que sentem um frio na barriga quando vê a amada de repente, ou se emociona quando a vê trabalhando e espalhando seu charme. Sabe, estamos planejando como vai ser a comemoração de nossas bodas de prata, daqui a 20 anos. Quem viver, verá.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Egoísmo e Fineza

             Nesta semana pude ver novamente como é difícil a convivência interpessoal em geral (e entre pessoas que já foram cônjuges anteriormente; como ouvi certa vez,  “uma ex-mulher é para sempre”...). Sim, no meu caso, vi novamente que, mesmo que me esforce para ser ético, elegante, cuidadoso, cortês; mesmo que confesse meu arrependimento e me desculpe, a ex-esposa pode relembrar rude, traiçoeira e  de modo boçal que ela ainda nos carrega como pesada mágoa encarnada, depois de tanto tempo, envenenando-se inutilmente. Chega a dar pena e nos suscita ao pensamento desonroso que somos, pelo menos ali, melhores que ela (o que realmente não significa muita coisa).  Que viés (por vezes) pernicioso este meu de ‘psicologizar’ os acontecimentos, mas é quase inevitável.  Porquê certas coisas tem o condão de fragilizar tanto determinadas pessoas? Por mim, digo que considero  um auto-treinamento meu ‘insistir’ que as coisas são menores do que eu, e que não é justo deixá-las nos derrubar.  Quando vejo isto nos outros constato como todos temos cruzes a carregar que podem ser, paradoxalmente, um palitinho para os outros. Lembro-me de uma crônica (se assim posso nomear) de Danuza Leão, publicada na Folha de São Paulo em 25 de setembro de 2005 (‘Considerações sobre o egoísmo’, baixar em http://www1.folha.uol. com.br/ fsp/cotidian/ff2509200505.htm) no caderno Ilustrada. Ela dizia que os egoístas não amam os demais mas, antes, não amam a si mesmos. Podem ser até boas pessoas, mas tem uma falha essencial, aquele ‘desconfiômetro’ que minha mãe sempre me lembrava quando era criança.  A grande indagação da articulista é se este tipo de pessoa pode mudar, e como. O bom senso diz que sim, mas o processo é que são elas.  Novamente, neste caso, vejo que (para mim) funciona aquela reflexão sobre o desenvolvimento das virtudes. Os antigos (notadamente Aristóteles) ensinavam que o modo de ‘evoluir-se’ para melhor como ser humano era cultivando as virtudes. Mas o que é uma virtude? Como vimos, sabe-se que, grosso modo, constitui num padrão de comportamento e sentimento: uma inclinação sistemática e consistente para agir de certa maneira e desejar e sentir certas coisas em determinadas situações. Sabemos por experiência própria que possuir emoções apropriadas é essencial para o que nomeamos ‘a arte do bem viver’, consistindo virtude (em grande parte) na posse e uso de raciocínios apropriados sobre as condutas condizentes/adequadas que devemos executar na situação em que nos encontramos, eventos que se nos são dados.  É qualidade por demais complexa, que custamos a nos conscientizar. Mais uma lição a relembrar.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A Ética da Virtude (como considero o que seja 'Ética')

         
Esta exposição pretende discutir algumas questões que permitem formular uma idéia do que seja uma abordagem alternativa sobre a moralidade (um tanto diferente das correntes éticas mais majoritárias), denominada genericamente de Ética da Virtude. Tenho receios que esta despretensiosa apresentação esboce mais as dificuldades do que as boas perspectivas que esta abordagem possa conter, mas ainda assim seria um exemplo da complexidade e do rol de aspectos que estão subjacentes – e que necessitam adequada reflexão - quando se discute a moralidade.
         Para muitos, a questão ética fundamental se resume em perguntar “O que devo fazer?” ou mesmo “Como devo agir?” Supomos que a Ética nos dê “princípios morais” ou regras universais que nos digam o que fazer. Alguns, por exemplo, acreditam que “todos estão obrigados a fazer aquilo que proporcionará o maior bem para o maior número de pessoas”; outros aceitam o princípio básico do filósofo Immanuel Kant de que “ qualquer um é obrigado a agir somente de modo a respeitar a dignidade humana e os direitos morais de todas as pessoas”.
         Princípios morais como estes focalizam basicamente as ações, o fazer humano, e nós aplicamos estes princípios nos perguntado o que eles requerem de nós em circunstâncias particulares, como quando consideramos mentir ou cometer um ato extremo. Aplicamos estes princípios também quando agimos profissionalmente, como administradores ou médicos, e vemos surgir muitos institutos e centros de ética, devotados a promover programas e iniciativas voltadas à ética dos negócios, bioética, ética nas políticas públicas, etc. Estes centros e institutos examinam as implicações morais que estes princípios têm para nossa vida.
         Mas será que somente princípios morais contribuem para podemos pensar sobre o que seja ético? Enfatizar somente princípios pode então determinar que nossa vida se resuma em checar escrupulosamente toda e qualquer ação frente uma tabela de regras contendo o que pode e o que não pode ser feito? Alguns estudiosos apontam que, para considerar efetivamente o que seja “Ética”, devemos atentar para um outro componente também fundamental, as virtudes. Assim, não se trata somente de se perguntar como devemos agir; uma questão importante que podemos nos colocar é “ “que tipo de pessoas devemos ser?” De acordo com a Ética da Virtude, existem certos ideais como a excelência e a dedicação ao bem comum, aos quais devemos atentar visto que eles nos permitem desenvolver de modo pleno nossa humanidade.
         Virtude, em grego arête – excelência, origina-se do Latim vir, virtus, e exprime, em primeiro lugar, o poder e mais geralmente a força de vontade. Designa igualmente, por extensão, a eficácia ou aptidão concreta para agir que pertence a um objeto, como por exemplo, a virtude de um veneno. Para alguns gregos clássicos, existe uma virtude para cada coisa quando esta coisa perfaz sua natureza de maneira excelente: a virtude do cavalo é correr bem; a virtude do Homem seria desabrochar suas potencialidades sob o domínio da razão. O que denominamos ‘virtude’ seria um traço de caráter merecedor de admiração, tornando seu possuidor melhor, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista intelectual, seja no comportar-se em condições específicas. Tradicionalmente esta escola inicia-se com Platão e Aristóteles, que investigaram a possibilidade de haver uma unidade das virtudes e o modo como a correta posse de uma virtude determina ou não a posse de outras.
         Diferentes visões do que seja virtude moral e sua relação com outras virtudes fundamentam o pensamento ético platônico, aristotélico, estóico, cristão, iluminista e romântico, além do pensamento do século XX. Estas diferenciações retratam as principais preocupações contextualizadas em cada época, ilustradas pelas necessidades materiais e culturais ali predominantes, como p. ex. a caridade, a resignação e a castidade no período cristão - o que por sua vez eram um tanto incompreensíveis para os gregos. Por outro lado, mesmo a ‘magnificência’ grega de Aristóteles seria hoje para nós algo complexo para ser entendido como um bem em si, como um elemento constituidor do “homem magnânimo”.  Hume considerou virtude como um traço de caráter com o poder de realizar o amor ou o orgulho, ao ser útil ou agradável tanto para seus possuidores quanto para as pessoas que seriam por elas alcançados ou favorecidos. Já Kant considerava virtude somente como um traço que poderia operar no cumprimento do dever, não possuindo um valor ético independente.
         O que se entende por virtudes particulares tem variado ao longo dos séculos. Na ética da virtude clássica, eram consideradas por Aristóteles virtudes principais (ou “virtudes cardeais”) a mansidão, a franqueza, a temperança, a magnanimidade, a coragem, o conhecimento prático (a phronesis grega, ou sensatez, segundo alguns autores), e a justiça, a maior delas. Na Idade Média foram adicionadas pelos filósofos cristãos a esta lista as virtudes teologais -  virtudes cujo objeto, no contexto religioso, é Deus - como sendo a fé, a esperança e a caridade (ou amor). Não obstante, consideramos que todas as abordagens sistemáticas sobre Ética têm algo a dizer sobre traços de caráter, considerados como virtudes, e sobre a natureza do que seja virtude como um todo. Uma distinção típica é realizada entre virtude intelectual e virtude moral, mas há também importantes diferenças entre as tradições de teorias morais que focalizam a virtude, e as tradições éticas que, como dissemos, dão espaço para virtude somente de passagem, indiretamente. Muitas destas se valem de ‘virtudes’ complementando o trabalho principal de investigação ética de formular os últimos princípios, leis ou regras de moralidade. Para elas, virtudes constituem efetivamente o análogo interno de um conjunto de princípios morais, inclinando seu possuidor a obedecer ou seguir o que as regras prescrevem, já que visam – virtudes e regras – alcançarem os mesmos objetivos.
         Mas enfim, qual é a natureza de “virtude”? Uma virtude, como a honestidade ou generosidade, não é somente a tendência de fazer o que é honesto e generoso, ou ter simplesmente um traço de caráter desejável ou moralmente valioso. Sim, é um traço de caráter, ou seja, uma disposição, uma inclinação intrínseca de seu possuidor. Mas é algo que não se reduz a um hábito; não é a simples disposição de se fazer atos honestos, ou agir honestamente por certas razões. Uma virtude é uma disposição multifacetada, ligada a muitas outras ações, ligada a emoções e reações emocionais, ligada a valores, desejos, atitudes, interesses, expectativas e sensibilidades. Possuir uma virtude é ser uma pessoa que possui um complexo esquema mental. Portanto, é falso ou incompleto atribuir uma virtude com base em uma simples ação ou intenção.
         O aspecto mais significativo deste esquema mental é ampla aceitação, por parte da pessoa que detêm certa virtude, de um continuum de considerações como razões para agir de modo ético. Exemplificando, imagine uma pessoa que se considera ‘honesta’. Ela não pode ser simplesmente assim identificada em razão de que comercializa honestamente e não trapaceia. Se estas ações são realizadas meramente porque a pessoa pensa que honestidade é a melhor estratégia comercial ou porque ela teme ser presa se assim não proceder, AO INVÉS de reconhecer como razão relevante que “Agir diferente seria desonesto”, aquelas não seriam ações de pessoa honesta. Outro exemplo: uma pessoa honesta não pode ser identificada como a que fala ocasionalmente a verdade porque simplesmente é a verdade, mas sim como a pessoa que reconhece o fato de que “aquilo seria mentira”, como a mais forte razão para não fazer certas afirmativas, em certas circunstâncias. Adicionalmente, esta pessoa crê, confia na importância de que a correta razão para dizer a verdade seria considerar o valor “aquilo é a verdade”.
         Assim, as razões para agir e as escolhas de uma pessoa honesta com respeito a ações honestas e desonestas refletem as suas visões sobre honestidade e verdade, e suas visões manifestam a si mesmas com respeito a outras ações ou reações emocionais e afetivas. Esta pessoa, valorizando honestidade como ela faz, escolhe pessoas honestas para se relacionar, trabalhar, ter amizades, leva seus filhos a serem honestos. Esta pessoa certamente desaprova desonestidade em amplo espectro, não se alegra com histórias e relatos de fraudes ou mensalão. Ela despreza ou lamenta aqueles que se realizam por meios desonestos em vez de pensar que são “espertos”; fica chocada ou estressada quando pessoas próximas ou queridas agem desonestamente, e assim por diante. Em resumo, parece que podemos dizer que alguém é honesto não somente observando uma ou outra ação, mas também observando outras ações e os motivos, as razões pelas quais a pessoa age, ao longo do tempo e nas diversas circunstâncias. Esclarecidas estes aspectos, podemos tentar discutir alguns contornos do que seria uma Ética voltada às virtudes.
O que hoje em dia se denomina Ética da Virtude era a forma proeminente de teorização ética no mundo antigo, mas foi largamente ignorada durante a era moderna. Houve recentemente uma espécie de novo interesse neste tipo de consideração, em parte por causa da insatisfação com os caminhos que a filosofia moral tomou até então. Esta filosofia enfatizou a obrigação moral e a lei moral, à custa das fontes morais da vida interior e da personalidade da pessoa. E, neste particular, a ética da virtude tem procurado adaptar antigas idéias de virtude aos requisitos da teoria ética atual e às questões práticas da ética aplicada.
Como vimos, a ética da virtude origina-se na Grécia Clássica, em especial com Aristóteles, que sustentou que uma compreensão apropriada do que é reto e admirável na ação humana não pode ser capturado por princípios ou regras gerais, mas é, antes, pertinente a uma ampla sensibilidade e fino discernimento, qualidades estas incorporadas em bons hábitos de pensamentos, desejos e ações morais. E muitos notáveis pensadores que se denominam filósofos éticos da virtude tendem a considerar mesmo que teorização ética constitui algo equivocado, mal orientado, pois a vida moral seria por demais rica e complexa para ser captada por abordagens utilitaristas, conseqüencialistas, kantianas ou contratualistas que procuram traduzir a eticidade em princípios essenciais, fundamentais, unificados.
Mais recentemente certos estudiosos da ética da virtude começaram a ver esta abordagem como representando uma vantajosa e distinta maneira de se engajar na teorização ética, ainda que com contornos não muito claros. Alguns entusiastas nesta tradição simplesmente desejaram associar um ou outro conjunto de princípios morais, complementados com um conjunto de ações ou traços virtuosos. Outros, e constituem uma corrente mais majoritária dentro desta tradição Ética, têm procurado identificar uma ética da virtude genuína, desembaraçada de qualquer influência ou “contaminação”, independente das outras correntes mais importantes, mais conhecidas.
         Mas o quê então distingue a ética da virtude com outros modos de fazer ética? Como em muitos outros campos da Filosofia, definições precisas são difíceis de delinear, mas o contraste mais importante, como vimos, existe com as formas éticas baseadas em regras, princípios e leis morais. Na Ética da Virtude, o foco é posto no indivíduo virtuoso e em seus traços, disposições e motivos íntimos, que justamente o qualificam como virtuoso. Algumas formas de ética da virtude reconhecem regras morais gerais e mesmo leis, mas estes são tipicamente tratados como fatores derivados ou secundários.
         Assim, muitos filósofos modernos pensam que a vida moral é assunto  apropriadamente relacionado com regras morais, mas na Ética da Virtude clássica, do Mundo Antigo, e em algumas instâncias da Ética da Virtude encontradas na moderna ou recente Filosofia, a correta interpretação da vida ética requer primariamente que se compreenda o que é ser um indivíduo virtuoso ou o que é possuir uma ou outra virtude particular concebida, como vimos, como um traço ou disposição da pessoa. Portanto, a primeira coisa que se afirma sobre a Ética da Virtude -  na tentativa de distingui-la de outras abordagens -  é que ela é focada no agente, e não em atos, em ações, como a ética conseqüencialista moderna e as visões baseadas em regras morais, que se supõem governarem as condutas humanas.
         Mas outra característica importante deve ser mencionada. Uma ética de regras vai tipicamente caracterizar os atos como moralmente certos ou errados, moralmente sancionados ou obrigatórios, dependendo de como eles estejam de acordo com regras apropriadas. Estes termos morais são denominados ‘deônticos’ (da palavra grega para ‘necessidade’, ou ‘obrigatório’), e contrastam outra classe de termos éticos que possuem menor ou menos imediata conexão com regras, os denominados termos ‘aretaicos’ (da palavra grega arête - ‘virtude’, ou ‘excelência’ ), como por exemplo, os termos ‘admirável’, ‘virtuoso’. Ética da Virtude faz uso primariamente de termos aretaicos nas suas caracterizações éticas, e trata os termos deônticos como derivados dos aretaicos. Assim, ética da virtude pensa antes em termos do que é nobre ou ignóbil, admirável ou deplorável, bom ou mau, do que em termos do que é obrigatório, permitido ou errado.
         Há Éticas da Virtude que são mais radicais que outras. Aristóteles, no seu livro Ética a Nicômaco, focaliza mais os traços íntimos e de personalidade do indivíduo virtuoso do que naquilo que faz de uma ação virtuosa, reta ou nobre. Para este autor, a retidão ou excelência de uma ação não depende essencialmente dos motivos ou hábitos que deram origem a ela. O indivíduo virtuoso é aquele que, antes de basear-se em regras, é sensível e inteligente o suficiente para perceber o que é nobre ou correto em sua variabilidade de circunstância a circunstância. Mas, por outro lado, temos que apontar aqui que sua explicação da percepção parece indicar que ser virtuoso envolve estar ligado a fatos independentes do virtuosismo de alguém sobre quais atos seriam admiráveis ou retos.
         Um tipo mais radical de ética da virtude diria que o caráter ético das ações não é até independente de como, porquê e por quem as ações são realizadas. Antes, o que é independente e fundamental é nossa avaliação e compreensão dos hábitos e motivos humanos, e a avaliação de ações é inteiramente derivada e dependente do que se tem a dizer eticamente sobre a vida interior dos agentes que realizam a ação.
         Um problema na consideração da ética da virtude seria por vezes o uso inadvertido de termos deônticos como “deve”, “necessita”, por causa da força e vigor que possuem, em comparação com os termos aretaicos. Mas esta aparente superioridade parece ser enganadora. Condenaríamos mais fortemente uma ação se disséssemos que ela é moralmente errada do que se disséssemos que ela seria moralmente ? Ou, recomendaríamos mais fortemente contra uma ação dizendo que ela seria errada do que dizendo que seria má? Entretanto, mesmo que um termo aretaico não seja em princípio mais fraco em força do que um termo deôntico, pode-se afirmar que alegações deônticas são mais fortes do que as avaliações aretaicas, que tendem a ser mais neutras, moralmente falando. Parece haver então certo problema lingüístico subjacente à adequada definição terminológica nestes campos, mas permanece o fato de que a ética da virtude é baseada não em códigos, leis ou normas, mas no agente, na pessoa. Assim, deve derivar suas considerações acerca das ações humanas (não importando se estas são aretaicas ou deônticas) a partir de caracterizações fundamentais e independentes de cunho aretaico sobre os traços íntimos dos indivíduos, ou dos indivíduos mesmos.
         Considera-se que alguns motivos elevados, como a benevolência, cuidado, autonomia, justiça, responsabilidade subjazem a muitas teorizações éticas a partir de virtudes, mas os diferentes estudiosos não exibem consenso sobre suas adequações entre os diversos sistemas, e este é um dos pontos fracos desta abordagem. Muitos pesquisadores consideram que o revivamento atual da ética da virtude implica que muita discussão deve ser ainda travada até que se encontrem patamares mais claros sobre as possibilidades de realização das promessas desta visão. Encerrando esta breve apresentação, vamos ilustrar com uma estória possível algo da complexidade, do desafio de raciocinar a moralidade a partir de virtudes.
         Imagine um doente de câncer incurável. Ele pode seguramente se beneficiar de uma habilidade em esconder de si mesmo a evidência de que possui uma doença terminal. Como ficaria nosso julgamento sobre esta sua estratégia? Nós tendemos a julgar esta pessoa menos admirável do que outra pessoa que, na mesma situação, exibisse coragem de enfrentar este supremo desafio com tenacidade, que fosse menos desonesta consigo mesma, ainda que se saiba que esta sofreria mais e pudesse morrer mais cedo do que o outro doente.  Assim, algumas virtudes legítimas parecem não beneficiar seu detentor como se poderia esperar. Obviamente uma pessoa que enfrenta corajosamente sua doença pode evitar que suas amizades tenham que compartilhar uma mentira, beneficiando-as, mas pode ser mais difícil para ela lidar com estados de pânico e depressão se souber de seu estado terminal, e  deste modo fazer também outros sofrerem com seu estado...
         Portanto, as situações que demandam reflexões sobre a moralidade dos atos humanos a partir de virtudes apresentam de igual modo a necessidade que os elementos de análise sejam convenientemente explicitados, explanados, diríamos até com certa prudência  (que é uma apreciada virtude...)  A vida é por demais complexa e temos que averiguar com cuidado todas as suas nuances, seus determinantes e suas determinações.