A V I S O


I am a Freemason and a member of both the regular, recognized ARLS Presidente Roosevelt 75 (São João da Boa Vista, SP) and the GLESP Grande Loja do Estado de São Paulo, Brazil. However, unless otherwise attributed, the opinions expressed in this blog are my own, or of others expressing theirs by posting comments. I do not in any way represent the official positions of my lodge or Grand Lodge, any associated organization of which I may or may not be a member, or the fraternity of Freemasonry as a whole.

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domingo, 18 de abril de 2021

Tempos pandêmicos e quadrinhos.

[ Coloco agora no dispositivo a música "You go to my head", magnificamente conduzida pelo saxofonista americano Art Pepper (disco 'Bunny')... É um maravilhoso entorno para escrevinhar estas modestas linhas... ]

Jornal Folha de São Paulo

1. Gosto muito de quadrinhos (em inglês cartoon). Considero uma forma refinada de arte visual ilustrada bidimensional, com um potencial de entretenimento/comunicação enorme, permitindo, além de diversão, refletirmos nossa realidade pessoal e/ou social, por meio de abordagem satíricas ou mesmo fazendo caricaturas. Tenho diversas revistas de quadrinhos aqui, dos mais variados formatos, sendo que a modalidade que mais aprecio é a dos 'mangás': produções características da Terra do Sol Nascente, em especial aquelas que envolvem estórias de ninjas e samurais. Acima, temos um exemplo de uma forma "resumida" de quadrinho que os jornais (e algumas revistas) costumam publicar nas páginas de variedades. Elas possibilitam a quase instantânea transmissão sintetizada de informações, subsidiando ao leitor pontos importantes para considerar, ou somente divertir. Nesta 'tirinha' acima podemos apreciar, p. ex.,  uma caracterização da dubiedade por vezes absurda, quase 'cinematográfica', que envolve o cenário político atual aqui do Brasil...

Jornal O Estado de São Paulo

Neste segundo quadrinho, de um famoso cartunista americano - Addison Morton Walker ('Mort Walker', falecido em 27 de janeiro de 2018)  fiquei pensando se o autor não insinua o (desrespeitoso) tratamento que certa parte da população concede aos jornalistas, esta classe trabalhadora tão importante numa democracia... Nestes inusitados tempos de enxurradas de fake-news, temos que prestar mais atenção nos acontecimentos impactantes do dia-a-dia, nos diversos setores. Assim, é imprescindível selecionar veículos sérios de comunicação, onde labutam profissionais gabaritados, para que possamos formar nossa opinião de modo fundamentado, discernindo a natureza das naturais preferências (mormente tendenciosas) que possam toldar nosso julgamento. Mas concedo que hoje em dia esta tarefa está cada vez mais difícil de ser realizada de modo confiável.


2. Acima, uma fotinho deste eventual escrevinhador, tirada há pouco aqui no celular. Resolvi cortar doravante barba e cabelo à "máquina dois", como diria um barbeiro ao regular a altura da máquina elétrica empregada para desbastar os pelos... Já usei barba e cabelos compridos (principalmente quando tive a Garage Barbearia, de saudosa memória), mas sei o trabalho que dá mantê-los em ordem. Ficou agora mais prático, higiênico e, melhor de tudo, autorizado pela patroa (ela diz que aprecia barba tipo 'cafajeste')! Mas o fato é que está na moda usar barba 'por fazer', coisa inimaginável há pouquíssimas décadas atrás. Convenhamos que é muito aborrecido usar gilette, navalha ou aparelho elétrico todo dia, como antigamente se impunha. A moda se altera constantemente  (em geral vai e volta)...

3. Dica de livro muuuito legal, principalmente para quem trabalha na área da saúde O rio da consciência, de Oliver Sacks (São Paulo: Companhia das Letras, 2017).  Foi a última obra deste renomado médico, professor e neurocientista inglês, falecido em agosto de 2015 aos 82 anos.  Ele publicou muitos outros livros de sucesso tanto para especialistas quanto ao grande público, caracterizados por escrita flúida e empolgante, mas nem por isso menos criteriosa e aprofundada, rigorosa. 

Este livro (um tanto memorialista) aborda fatos sobre Darwin, Freud e aspectos sobre a nossa vida mental - p. ex.  homeostase, qualias, percepção, memória e neuropatias - que nos deixam ainda mais apaixonados pelos mistérios que envolve a consciência e seus produtos. Para aqueles como eu que valorizam a Ciência como o melhor instrumento que o Homem alcançou, considero esta obra um sedutor relato de como, apesar de tantos percalços que a vida pode trazer, ainda resta muita beleza para ser admirada! 

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Ciência levando à Verdade, o que seria?...


The Cosmos
(foto obtida agora, via Google Images, de
http://wall.alphacoders.com/big.php?i=153316 )


Tomando como base um dos textos do físico brasileiro radicado nos Estados Unidos Marcelo Gleiser fiz um pequeno texto didático para discutir com meus alunos. Versa sobre Ciência, verdade e conhecimento...

Desde o começo da Humanidade, a pessoa deseja ter conhecimento sobre tudo aquilo que sua mente tem acesso, e deseja conhecer bem, isto é, ter um conhecimento certo, útil e confiável, que permita utiliza-lo apropriadamente agora e outras vezes. Neste percurso, muitas formas de conhecer foram desenvolvidas, como a do senso comum, a filosófica, a religiosa e, mais recentemente, o científico. Esta última modalidade de conhecer adquiriu na pós-modernidade ares de ferramenta que garantiria, se bem empregada, um conhecimento ‘melhor’ que os outros, mais confiável e condizente com a realidade. Muitos acreditam que a verdade objetiva, originada de fatos, se obtém somente mediante o uso da Ciência, e dos métodos que ela preconiza, ainda mais porque se valem, no mais das vezes, do auxílio da Matemática, ramo ‘exato’ do saber.

Existe hoje em dia quem questione esta corrente majoritária da Ciência, como se fosse a resposta última para bem conhecer. A Ciência, para alguns, parece debochar das outras formas de conhecer. As críticas à Ciência são muitas – ela uma hora diz algo, e outra hora se contradiz (exibe versões antagônicas mediante o uso de métodos por vezes ‘iguais’); Ciência é feita por pessoas imperfeitas, que tem suas vontades, intencionalidades, que acabam refletindo o próprio fazer da Ciência; a complexidade da realidade é enorme, e se a realidade é uma totalidade, como pode haver tantas versões, tantas visões de mundo discrepantes? A lista é enorme. Existem críticas à Ciência que no fundo são um tipo de preconceito, como por exemplo aquelas pessoas que a acusam de negar que certos eventos 'existam'. A Ciência na verdade se pronuncia somente sobre fatos que consegue efetivamente se aproximar com certeza razoável, com evidência firme. Os discos-voadores, ou qualquer UFO, por exemplo; a Ciência não nega a sua existência - somente diz que, com os instrumentos e ferramental atualmente disponíveis, não se consegue estabelecer consenso na comunidade científica para descreve-los de forma inequívoca, ou seja, ter certeza firme de sua real (palpável cientificamente) existência.

Mas a Ciência não se move por certezas, e sim – paradoxalmente – pelas dúvidas, pelas perguntas! Para ter uma idéia crível sobre a realidade - para a Ciência dar respostas sobre algo que se desconhece da Natureza - em primeiro lugar necessitamos perguntar bem, saber estabelecer com clareza o quê estamos procurando saber - qual seria nossa cristalina questão, ou seja, nosso 'problema' científico. Muitas vezes não progredimos em nosso conhecimento porque não temos certeza se o que encontramos (com nossa investigação)  'responde', satisfaz efetivamente a uma dúvida que colocamos.

Em Ciência, os fenômenos tem que ser bem interpretados em seus constituintes; as hipóteses adequadamente testadas (a partir da sua trama teórica); as conclusões (a partir dos resultados encontrados e adequadamente discutidos) demonstradas; os caminhos deste tipo de conhecer passíveis de serem reproduzidos, e aquilo que é momentaneamente consensuado como o mais perto do que seja a real ‘realidade’ – ou seja, a ‘verdade’ -  permitir-se ser questionado e falsificável, mediantes novas observações.

A Ciência tem instrumentos sempre limitados – seu alcance e precisão são sempre limitados, visto que a (complexa) Natureza, como apontou Marcelo Gleiser, oferece barreiras consideradas intransponíveis (bem, hoje se pensa assim) para conhece-la em sua totalidade, como a velocidade da luz, a incerteza quântica, e o crescimento da desordem (entropia). Mesmo a Matemática parece ter seções que não ‘fecham a conta’, como os teoremas da incompletude de Gödel. Quem é cientista sério sabe que o Homem sempre será de certo modo ‘míope’ para enxergar a Natureza, pois ela não nos é (e parece que sempre será) descortinável com clareza em sua totalidade. Sempre que focamos uma 'janela' da realidade - este 'pedaço' aqui do que existe - deixamos de olhar para os outros componentes desta mesma realidade, o que pode estar comprometendo nossa visão do todo... Nietzche, Wittgenstein, e outros já nos alertaram que moramos todos em (diversas) ilhas de conhecimento (mais ou menos sofisticadas) cercados de oceanos de desconhecimento, de coisas que ignoramos ou de coisas com as quais nos iludimos.

Para um dia vir a saber de tudo, o Homem precisaria conhecer e postular todas as perguntas possíveis, o que parece ser certo ‘absurdo’ – segundo alguns, algo impossível. Se um dia chegarmos a isso, nossa vida teria ainda sentido? Ou ‘seremos como Deus’, conforme alguns filosofam (pois não se pode saber o que isso significaria)?


Talvez o que melhor possamos fazer mesmo é ter esta liberdade para continuar a questionar, a perguntar sobre esta Natureza, este Cosmos, inspirados por tudo aquilo que não sabemos.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Complexidade...


Gravura obtida agora (via Google Images) de
http://www.europosters.pt/estilo-de-vida-poster/


Estou pesquisando um tema para um novo projeto no Unifae e coloco aqui umas reflexões. Eu fiz uma compilação de algumas idéias de um filósofo bem conhecido, EDGAR MORIN, a partir do seu livro Ciência com consciência (8ª ed. rev. e mod. pelo autor. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005), que recomendo a todos a leitura...

Quando se pensa em ‘complexidade’, imaginamos um emaranhado de eventos, atos e ações em interação recíproca, ou mesmo acasos, que determinam nosso mundo. Num primeiro relance, complexidade seria uma trama de componentes heterogêneos que se ligam de algum modo, expressando as relações aparentemente contraditórias entre aquilo que exibe unidade e aquilo que se revela com multiplicidade. A complexidade pode inicialmente ser apreendida numa situação interior de inquietação, de perplexidade, como que vislumbrando certa desordem, ambiguidade e incerteza, posto que as coisas se desvelam misturadas, embaralhadas, embaraçadas.

Quando se intenta articular um tipo de ‘pensamento voltado para a discussão do complexo’, uma das primeiras aquisições que se obtém é precisamente discernir que o problema da complexidade não é necessariamente o da completude, do acabamento, mas o da incompletude do próprio conhecimento. O pensamento complexo visa lidar com aquilo que os outros tipos de pensamento deixam de lado, ao recortar a realidade e seus constituintes segundo seus cânones. Os demais modos de pensar caem facilmente pelos caminhos da simplificação e do reducionismo, como que mutilando os fenômenos, truncando-os, separando-os, pois é isto precisamente a processualidade de seus métodos.

O impacto que os estudos da complexidade determinaram nas Ciências criou as condições para questionar o seu próprio fazer, permitindo considerar a ‘Ciência’ como legítimo suporte para estabelecer uma nova dinâmica do conhecimento e do processo de entendimento.

Parece, neste novo cenário, que o considerar o que é complexo pode permitir definir melhor o mundo empírico, a incerteza e a enorme dificuldade de se aproximar da certeza, de articular e enunciar hipóteses, teorias e leis científicas, de conceber uma ordem estável no universo. Poderá, certamente, contribuir para resgatar algumas funcionalidades da lógica, em especial aquelas que nos ajudam a evitar contradições. No pensamento clássico (que parece ainda viger no dia-a-dia), quando emergia contradição no bojo de uma argumentação, a mesma era entendida como sinal de erro. Tal situação determinava que era necessário voltar atrás e reformular os termos, ou erigir nova argumentação. Na visão do pensamento complexo, no percurso empírico-racional, ao deparar-se algum tipo de contradição, isso não é necessariamente evidência de erro, mas sim de descoberta de uma dimensão mais profunda da realidade que nossa lógica se revela inábil para lidar, oriunda das características dessa mesma profundez.

Algumas características do pensamento complexo já são suficientemente estabelecidas atualmente. Em primeiro lugar, e de modo coerente, o estatuto semântico e epistemológico do termo complexidade não está concretizado. Ao examinar-se a literatura, observa-se que os estudiosos em diferentes campos do saber empregam o termo de modo diverso. Parece, assim, que as enunciações sobre a complexidade constituem-se em discursos que se generalizam no âmbito de diferentes vias, visto que existem múltiplos caminhos de entrada à ela.

Outro aspecto fundador é que, ainda que estudiosos da complexidade exibam posições diferentes sobre o termo, quase todos diferenciam “complexidade” e “complicação”, ou entre um problema apenas quantitativo e um tema qualitativo, visto que, com o discurso sobre a complexidade, aborda-se  sempre um problema lógico e geral. A complexidade espraia-se não apenas à Ciência, mas também à Sociedade, à Ética e à Política, constituindo-se um problema de pensamento e de paradigma que envolve uma epistemologia geral. Podemos dizer que a complexidade surge como problematização, como dificuldade, como incerteza e não como uma clareza e como resposta. O problema é saber se há uma possibilidade de responder ao desafio da incerteza e da dificuldade.

Sendo um pensar necessariamente articulante e multidimensional, um pensamento complexo nunca constitui um pensamento completo. A natural ambiguidade do pensamento complexo é poder lidar com as articulações entre domínios disciplinares desarrraigados pelo pensamento desestruturador, fragmentador, como faz, p. ex., o pensamento simplificador, que isola o que separa, e parece ocultar tudo o que ata. Neste tipo de pensar, interpretar e compreender, entender algo revela-se necessariamente como interferir e retalhar a multiplicidade da realidade enquanto tal.

A partir destas considerações, depreende-se que não se pode chegar à complexidade por uma definição anterior, preliminar. No próprio fazer do pensamento complexo, necessita-se seguir caminhos diversos, o que nos leva a perguntar se existem complexidades, e não uma complexidade. Morin indica algumas das diferentes ‘avenidas’, vias que podem conduzir ao que ele denomina "desafio da complexidade". Uma delas seria o da irredutibilidade do acaso e da desordem, que estão presentes no universo e ativos na sua evolução. Não se pode resolver a incerteza que as noções de desordem e de acaso trazem, visto que o próprio acaso não está certo de ser acaso. A incerteza continua, inclusive no que diz respeito à natureza da incerteza que o acaso nos traz.

Uma outra ‘avenida’ possível é a transgressão, nas ciências naturais, dos limites daquilo que poderíamos chamar de abstração universalista que elimina a singularidade, a localidade e a temporalidade. Por exemplo, a biologia atual não concebe a espécie como um quadro geral do qual o indivíduo é um caso singular. Ela concebe a espécie viva como uma singularidade que produz singularidades. A própria vida é uma organização singular entre os tipos de organização físico-química existentes. E, além disso, segundo Morin, as descobertas de Hubble sobre a dispersão das galáxias e a descoberta do raio isótropo que vem de todos os horizontes do universo trouxeram a ressurreição de um cosmo singular que teria uma história singular na qual surgiria nossa própria história singular.

Outra ‘avenida’ possível é a da complicação. O problema da complicação surgiu a partir do momento em que se percebe que os fenômenos biológicos e sociais apresentavam um número incalculável de interações, de inter-retroações, uma fabulosa mistura que não poderia ser calculada nem pelo mais potente dos computadores, e daí vem o paradoxo de Niels Bohr que diz: "As interações que mantêm vivo o organismo de um cachorro são as impossíveis de ser estudadas in vivo. Para estudá-las corretamente, seria preciso matar o cão". Pensar o complexo abarca apreender uma misteriosa relação complementar, no entanto, logicamente antagonista , entre as noções de ordem, de desordem e de organização.

Tema muito interessante, sem dúvida. Inclusive porque aqui nem sequer arranhei a riqueza do tema, seguramente. Tente colocar este termo no Google -  surgirá milhares de páginas! É o retrato da (pós-)modernidade contemporânea: tudo junto e misturado...

terça-feira, 17 de junho de 2014

Ciência



A Ciência é o grande empreendimento humano dos últimos séculos. A Ciência emprega a Pesquisa Científica, que é um conjunto articulado de procedimentos sistemáticos, fundados no raciocínio lógico, objetivando encontrar soluções para os diversos problemas humanos que são propostos, mediante o emprego de métodos (incluído aqui as técnicas e procedimentos) científicos.

Para realizar em sofisticado empreendimento, os homens aprenderam a concatenar recursos humanos, materiais (inclusive disponibilidade de tempo), financeiros e, em especial, a qualificação dos pesquisadores, de modo a realizar os propósitos de auferir o melhor conhecimento sobre o Cosmos (incluído aqui o microcosmo... nós mesmos!) e isso com o mínimo de gastos e no melhor tempo. O pesquisador tem um importante papel nesta equação, e ele ou ela deve ter os requisitos seguintes para dar conta de tão complexa tarefa: (1) Conhecimento do assunto a ser pesquisado; (2) Curiosidade científica; (3) Criatividade; (4) Integridade intelectual; (5) Atitude autocorretiva; (6) Sensibilidade social; (7) Imaginação disciplinada; (8) Perseverança/paciência, e (9) Confiança na experiência. A partir desta lista vemos que não é qualquer um que pode arvorar-se em ser cientista. Alguns acreditam que o são, mas não satisfazem a maioria destes critérios.

Porquê se pesquisa cientificamente? Temos duas finalidades: (1) Razões de ordem intelectual (para alcançar o saber, satisfazer o desejo de adquirir conhecimento correto), realizada por cientistas e diferentes pesquisadores para contribuir para o progresso da Ciência. É a denominada Pesquisa pura ou fundamental.  E (2) Razões de ordem prática (visa aplicações práticas, com objetivo de atender às exigências concretas da vida moderna), realizada por vezes por empresas que criam tecnologia. É denominada Pesquisa aplicada. Não existe uma fronteira intransponível entre estes 2 tipos principais.

A Ciência é uma espécie de vacina moderna contra a irracionalidade e o primitivismo, que insistem em acompanhar os homens. Como tudo hoje em dia, é atacada, desafiada e contrastada como adversária de outras formas de conhecer, como a pertinente à religião ou as maneiras alternativas de se conhecer a realidade. Mas a Ciência nada mais é que uma construção humana, imperfeita, mas é o que é – uma ferramenta - que pode ser mal ou bem utilizada, como qualquer outra. 

Quer saber mais? Quando colocamos o verbete 'Ciência' no Google, recebemos uma miríade de sites instigantes, como o http://labdeensino.blogspot.com.br   Clique lá e você saberá de muita coisa legal. Este, no caso, é despretencioso, mas tem outros sites bem sofisticados, como o http://blog.cienctec.com.br  De qualquer modo é uma área estratégica a educação em Ciência (veja um interessante exemplo inglês em http://www.ase.org.uk/resources/classic-resources-and-archive/global-dimension ) Eu sou apaixonado por este tema, e a melhor coisa que desenvolvi a partir destes estudos todos foi respeitar de igual modo outras maneiras de se ver o Mundo, em especial a Religião. Sim, sei que tem muitos que acham que são - Ciência e Religião - coisas incompatíveis, mas no fundo são Magistérios diversos, que não tem que ser adversários, necessariamente... Quem conhece um pouco destes dois domínios não os vê como opostos.

Eu, como professor da área, vejo com tristeza a falta de familiaridade dos meus alunos com este campo. Quando comparamos nossa nação com aquelas que estão mais avançadas, vemos que elas alcançaram posições elevadas de desenvolvimento por causa do cultivo do espírito científico. Somos ainda, de certo modo, reféns de estruturas arcaicas, quase rudimentares de discussão e gerenciamento de nossa realidade, em suas multicores e multidimensionais matizes. No fundo, acabamos sempre averiguando que nossa Educação é rudimentar (em especial em Ciência), quase incipiente, o que nos leva a sermos insipientes em diversos graus, apesar de nossas "ilhas de excelência”.

Vou propor à minha Universidade a realização de atividades de extensão visando minorar esta deficiência que noto em quase a totalidade dos alunos. Creio que seria o melhor caminho para dotar nossos jovens de ferramentas mais acuradas de pensamento, de julgamento. Tenho duas instâncias que me podem ajudar naquela Instituição de Ensino Superior: um Grupo de Pesquisa e o Comitê de Ética. Bom desafio vejo à frentetrabalho para muitos anos. Mas estou bem animado!

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Eclesiastes, 2: 26a

Rei Salomão
Ícone no monastério de Kizhi, na Russia
http://pt.wikipedia.org


Hoje cedo na hora matinal de estudos, um versículo de Eclesiastes me sensibilizou - diz "Ao homem que é bom diante dEle, Deus dá sabedoria, conhecimento e alegria, ..."  Na versão da notável Bíblia do Peregrino, do Padre Luís Alonso Schökel, lemos "Ao homem que Lhe agrada Ele dá sabedoria, ciência e alegria; ...". Que consoladora promessa. O que mais me espanta é que li isso diversas vezes quando jovem, mas só agora atentei, quer dizer, signifiquei em meu espírito a verdade deste versículo. 

O contraponto conhecimento (ciência) versus sabedoria, complementado com a alegria é o que interpela minha consideração. Sabedoria é saber bem aplicar aquilo que se conhece, o que se sabe, isolado ou no conjunto de outros conhecimentos (ciência). Mas saber bastante e ser sábio, sem ter a alegria, parece contradição. Quantos vemos que se julgam inteligentes, mas não tem alegria (ou pouco aparece, mas logo se vai daquelas almas). Em minha vida prestei mais atenção à alegria, apesar da importância do conhecer e de ser sábio; cedo acautelei-me de ser sábio aos meus olhos - armadilha por demais ilusória, hábil sedutora que é.  Li nas Seleções um provérbio que dizia "ria e tudo mundo vai rir com você; chore e você vai chorar sozinho..."; desde então vi que tola estratégia é ter pena de nós mesmos, ou nos fazer frágeis aos olhos dos outros, ou dar certo tom triste, macambúzio, em nossas relações. As pessoas, notadamente os brasileiros, se afastam de criaturas assim.

Mas, procurando o conhecimento e a sabedoria, como ser feliz neste mundo enganador, competitivo, de árdua labuta, de doenças e desgraças cotidianas? Nossa índole faz-nos esperar do Destino recompensas constantes se somos 'bons', trabalhadores, estudiosos, honestos, etc...  Nessa hora o homem comum olha ao alto e, se atenta para outra dimensão de verdades, que não se alcança necessariamente pelo muito esfalfar com os livros, pode começar a municiar-se de recursos para compatibilizar estas 'contradições', a aparente contraposição sabedoria-alegria. Digo aparente, porque é nossa mente em sua quichaça que assim dispõe, posto que, no fundo, inexiste necessariamente contradita entre conhecimento e felicidade, alegria - mas são coisas que diferem tanto no grau quanto na essência. 

Aquilo que confere sentido às nossas concepções e nossa práxis precisamente é o que nos faz, nos determina alegres, com, sem, ou apesar de nosso conhecimento e sabedoria do mundo. Quando se reconhece o homem ou a mulher possuidor de uma natureza, uma disposição suscetível às coisas espirituais, pode abrir-se a outra categoria de verdades, que não são, em princípio, discerníveis com os rudimentos do conhecimento empírico ou mesmo da cogitação e do razoar sobre esta humana vida (posto que parece em geral absurda e injusta).

Esta, a abertura ao transcendente, continua a ser a solução aos dilemas e ao Absurdo da existência, desde que o homem se conhece por Homem. E neste percurso a pessoa chega, ao fim e ao cabo, a Deus, que Se revela a quem O busca com sinceridade, humildando-se. Somente Ele pode nos dar aquela alegria que não se dissipa, que não se esvai, que nos faz, a todos e todas, quiescentes e serenos. Mas como saber de Deus, tão Santo e 'distante' ? Olhe para Jesus, que deixou muitas instruções e pistas de como Deus é... Se O buscarmos em primeiro lugar, com destemor, aquilo que paradoxalmente cremos que nos fará felizes, o conhecimento e a sabedoria, precisamente  nos serão então acrescentados, mas não o conhecimento enganador, que só divisa absurdos, mas a Sabedoria que não se esgota, e que nos faz efetivamente felizes.

http://www.everypicture.com/prints/barry-moser/2936/king-solomon.html

terça-feira, 13 de março de 2012

artigo A NATUREZA DO AUTO-ENGANO: proposições iniciais


Resumo
Este artigo discute a natureza do fenômeno do Auto-engano e os diversos campos onde se manifesta. Aponta-se que os aspectos cognitivos, conativos,   afetivos, intencionais, conscientes, inconscientes e volitivos podem tomar parte no entendimento do fenômeno.
  
            O Homem sempre enfrentou a situação onde a falsidade, a mentira, o logro pode tomar parte, e envida diuturnamente esforços tanto para empregar com certa segurança estas estratégias contra terceiros, quanto para identificar as que os mesmos utilizam contra ele. Apesar de certos agentes políticos serem, ao que parece, atualmente, os mais notórios usuários deste tipo de 'jogo' (v., p. ex. BONASSI, 2007, p. E-6), um tipo especial de logro muito investigado atualmente consiste na situação onde existe identidade entre o agente que logra e o agente que sofre a ação de engano, denominado 'Auto-engano' (doravante grafado 'AE'). Este artigo pretende discutir algumas nuanças que envolvem a correta identificação do fenômeno, como parte de uma investigação psicológica sobre a violência interpessoal  posto que, entre outros, conforme Rosenfield (2007, p. A-2), “a mentira é um meio de provocar a violência (...)”. (Para uma sucinta explanação dos principais aspectos psicológicos da natureza do fenômeno do AE, v. SHAPIRO, 1996).

          O problema do AE, à semelhança do problema mente-corpo, tem intrigado os estudiosos, desde tempos imemoriais - inclusive nas Escrituras cristãs encontra-se menção de tal fenômeno, como em Gálatas 6:3. Na literatura sobre o tema tem-se definido o termo como o ato de enganar-se a si mesmo ou como o estado de estar enganado por si mesmo. Não há consenso entre os especialistas sobre o fato de que aquele que se auto-engana estar ou não consciente de tal ato. Em que sentidos casos de auto-engano seriam distintos de hipnotismo,  'lavagem cerebral', 'pensamento positivo', 'cegueira intelectual', raciocínio ou pensamento tendencioso (enviesado), juízo distorcido ou outras formas de irracionalidade? No entanto, a considerar-se que o AE envolve logro intencional, a definição irá direcionar ao questionamento adicional sobre como alguém pode, ao mesmo tempo, pretender iludir-se e ter sucesso em tal empreitada. (MARTIN, 1986; MELE, 1987).

A definição usual de AE ( como p. ex., “The act of deceiving oneself or the state of being deceived by oneself ”, HONDERICH, 1995, p. 818) encontrada em diversos  textos é, aparentemente, circular. Observa-se grande variabilidade de interpretações entre diversos autores sobre o que seria AE, como por exemplo, em Platão (Crátilo), em Sartre (L’Être et le néant) e em Kierkegaard (Enten-Eller), para citar os mais conhecidos. Será que estes autores se referem ao mesmo fenômeno? Ou são diferentes fenômenos sob a mesma nomenclatura, o que leva a considerações sobre diferentes usos do termo? AE parece facilmente ser algo paradoxal. Como pode o enganador-que-conhece ser ao mesmo tempo o enganado-que-desconhece? Como pode alguém, intencionalmente, sabendo, não saber? Se isto ocorre, o processo requer um monitoramento seletivo de si mesmo e esta seletividade implica, de um lado, saber o que deve ser sabido e ao mesmo tempo ser capaz de não sabe-lo (SHAPIRO, 1996).

            Por outro prisma, em que difere essencialmente mentir para si da mentira para os outros? Para ilustrar com um aspecto do cotidiano de todos, o fenômeno da protelação de tarefas, pode ser um exemplo de AE? (ver, p. ex., MELLO, L. E. de A. M. ‘Amanhã eu faço’ – Estudos relacionam a protelação de tarefas à ansiedade e à depressão. FOLHA DE SÃO PAULO, 03 de Janeiro de 1999, Caderno mais!/Ciência, p. 5-13.; MICHELOOTTI, G.  Empurrando com a barriga. FOLHA DE SÃO PAULO, 17 de Janeiro de 1999. Cad. Campinas/Revista, p.3-17)  Parece não haver unanimidade sobre o entendimento da natureza do AE (SVECE, 1996), tornando trabalhoso o estudo do fenômeno. Muitos aspectos podem estar envolvido na determinação do fenômeno. Por exemplo, PALUSH (1967, p. 276) diz que uma pessoa X está auto-enganada quando:

(1) X crê p e p é falso. (2) X sabe a evidência relevante contra a verdade de p. (3) X tem algum motivo para descartar a evidência. (4) Se o motivo foi insuficiente ou deficiente, X veria que p é falso e a sua negação verdadeira. (5) se o motivo fosse tornado claro a X ele veria que isso não proveria razões legítimas para a sua crença. (6) X é livre para discernir a capacidade do seu motivo.

[(1) X believes p and p is false. (2) X knows the evidence which counts against the thruth of p. (3) X has some motives for discounting the evidence. (4) If the motive were lacking X would see that p is false and its negation true. (5) If the motive were made clear to X he would see that it provided no legitimate grounds for his belief. (6) X is free to discern the character of his motive]

            Nesta linha de pensamento, FOSS (1980, p. 241) declara que ‘Jones deceives himself that  p  just in case (i) Jones brings it about that Jones believes that  p, and (ii) Jones knows that not-p. Para SIEGLER (1962, p. 473) se White diz a Brown que Brown está enganando a si mesmo, White está dizendo a Brown que este tem uma crença errônea, e aquele está afirmando que é irracional para Brown ter tal crença. Por outro lado, Herbert FINGARETTE (1969, p. 81) aduz que o auto-enganador é aquele que de certa maneira está comprometido no mundo mas recusa o próprio comprometimento, não o reconhecendo a si mesmo como seu [‘the self-deceiver is one who is in some way engaged in the world but who disavows the engagement, who will not acknowledge it even to himself as his']. Enquanto os dois primeiros autores descrevem o fenômeno empregando explicitamente o conceito de crença, este ultimo parece fundamentar o AE em aspectos emocionais.

            Adicionando algumas dimensões não presentes nas formulações anteriores, AUDI (1985) estabelece que:

Uma pessoa, S, está em um estado de auto-engano com relação a uma proposição, p, se e somente se: (1) S inconscientemente sabe que não-p (ou tem razão para crer, e inconsciente e verdadeiramente crê que não-p); (2) S sinceramente admite ou está disposto a admitir sinceramente, que p; e (3) S tem ao menos uma carência que explicita, em parte, tanto porque a crença em não-p de S seja inconsciente e porque S está inclinado a admitir que p, mesmo quando reconhece, constata evidência contra p.

            Aqui temos intencionalidades ('sinceramente admite'), crenças 'inconscientes', 'carências' e 'inclinações' tomando parte na explanação do fenômeno, o que faz acreditar que o acontecimento possui muitas dimensões que, em princípio, desafiam qualquer proposta simplista de definição. Até ocorrências como 'esquecimento', colocado de modo vago ('certas circunstãncias'), como em CANFIELD & GUSTAVSON (1962, p. 34-35) é proposto:  “tudo o que ocorre no auto-engano (...) é que a pessoa crê ou esquece algo em certas circunstâncias [all that happens in self-deception (...) is that the person believes or forgets something in certain circumstances]”, e as circunstâncias constituiriam a falta de garantia para a crença envolvida.

            Esta lista pode ser consideravelmente ampliada, com variações mais ou menos ampla nos níveis descritivos envolvidos. Em resumo, analisando algumas das formulações citadas, podemos ver que Fingarette pensa AE como compreendendo engajamento no mundo, enquanto que muitos dos citados consideram o fulcro do fenômeno repousando na crença numa proposição p, concomitantemente com a crença na proposição não-p. Foss indica que AE requer duas crenças contraditórias (e parece sugerir também que Jones intencionalmente engana a si mesmo), enquanto que Audi, Canfield & Gustavson, Siegler e Palush descrevem AE consistindo na presença de uma crença sem sustentação, sem garantia, em outras palavras, sem evidência. De modo diferenciado dos demais estudiosos considerados brevemente aqui, Audi considera que AE requer conhecimento inconsciente, o quanto paradoxal possa isto parecer.

            Assim, mediante o exame desta literatura, observamos que o tema do AE possui muitas interfaces como p. ex., (a) estados cognitivos; (b) estados conativos; (c) estados afetivos; (d) intencionalidade; (e) estados da consciência; (f) determinismo e liberdade; (g) estados volitivos, que direcionam o estudo para possibilidades de contribuição, além da Psicologia, também para a Filosofia da Mente e para a Filosofia da Ação. De igual modo, no âmbito da Filosofia Moral, o tema do AE também exibe considerável questionamento.

            O estudo do AE e da conduta mentirosa apresenta relevância tanto teórica, auxiliando a clarificação do uso comum do conceito, como prática, conforme tem sido proposto p.ex., por alguns setores da área da saúde ensejando que auto-afirmações de cunho duvidoso podem atuar como coadjuvantes em determinadas terapias de cunho psicológico (McGARRY-PETERS, 1990; RUDDICK, 1999), o quanto isto possa ser eticamente questionado.

            Ultimamente tem-se observado grande interesse sobre o estudo do engano de si e dos outros, dissimulação e esquivas, com discussões e pesquisas patrocinadas nos mais diversos campos de investigação. Nas Ciências Jurídicas, cremos que o entendimento dos motivos que levam as pessoas a cometer certos atos envolvendo mentira e engano deliberado pode colaborar na aplicação adequada da Justiça, posto que podem levar a situações de abuso e violência. Neste âmbito, muitas questões do Direito Civil (principalmente) ligados ao AE tem sido objeto de discussão como, p. ex., nas acusações de abuso sexual infantil (KOCOURKOVA & MALA, 1996) e falsas acusações de estupro (BIEDER & MAES-BIEDER, 1995; FELDMAN et al, 1994; KANIN, 1994). No Direito Penal, faceando a Psicologia Forense e Judiciária, muitas questões sofrem semelhante escrutínio, como na situação de interrogatório onde se originam falsas confissões (GUDJONSSON, 1990, 1992;).

            No campo da Psicologia, a discussão de muitos aspectos do AE e suas interfaces tem sido propostos. Dentre elas podemos citar o uso de instrumentos psicológicos de avaliação da personalidade na identificação de dissimulação de abuso de substâncias (FALS-STEWART & LUCENTE, 1997) e de jogadores compulsivos (JOHNSON et al, 1997), no uso de referenciais psicofísicos na identificação da mentira (VINCENT & FUREDY, 1992), na Psicologia da adoção, sobre crianças e adolescentes que sofreram abusos ou injúrias (WILKINSON & HOUGH, 1996; GLASPER & POWELL, 1996; RICCI, 1995; RIESER, 1991), na pesquisa sobre hipnotismo (KINUNNEN et al, 1994) e assertividade (KERN, 1994).

            Um dos tópicos mais desafiadores (e que interessa de perto ao Psicólogo) seria a ocorrência do engano em situação de psicoterapia ou consulta, nos mais variados temas (BILLIG, 1991; SMITH, 1991; HENDRICKS, 1990; O’SHAUGHNESSY, 1990). O estudo do AE aqui pode ser associado a certos aspectos do comportamento lingüístico, favorecendo novos insights (SIEGRIST, 1995). Uma lacuna que observamos no exame da literatura é a inexistência de instrumentos que possam auxiliar ao Psicólogo a inventariar de modo rápido e confiável a extensão da posse de idéias inapropriadas/irracionais e relacionados ao nível de ansiedade por parte do cliente, e que favoreceriam a ocorrência de engano, auto-engano e dissimulação na situação de consulta.

No que tange às implicações sociais da circunstância do fenômeno do AE, averigua-se que o mesmo, mediante sutis variações, parece estar disseminado, como vimos, por todo espectro do relacionamento humano. Muitas dimensões da mentira, do engano e do auto-engano são objeto de pesquisa, como lograr nos relacionamentos interpessoais casuais e íntimos (DE PAULO & KASHY, 1998), inclusive com subdimensões quanto à opção sexual das pessoas (BURDON, 1996), no ambiente de trabalho (MILLER, RESICK & RICHMOND, 1997), e no ambiente da promoção da saúde física (HUDSON, 1996; HADJISTAVROPOULOS et al, 1996; SOBEL, 1996). Encontramos igualmente interessantes discussões sobre o fenômeno do AE em estudos no tratamento de usuários de tabaco (WOODWARD & TUNSTALL-PEDOE, 1992), na formação de estudantes de medicina (THOMPSON, 1995; WATTS, 1995) e na prática da enfermagem (TUCKETT, 1998; TAMMELLEO, 1997). Mesmo na área de negócios, certas descrições remetem ao tema do AE (GARCIA, 1998).

            Com o acelerado desenvolvimento da tecnologia da comunicação, a velocidade e a magnitude das influências interpessoais ficam, ao que parece, mais e mais pronunciadas. Em igual extensão podemos esperar que os problemas nesta área do engano e auto-engano possam afetar maior número de indivíduos, em especial àqueles que não tem oportunidades igualitárias de inserção na Sociedade. Neste sentido, acreditamos que as iniciativas que promovam o esclarecimento das dificuldades humanas em geral (notadamente, nos últimos tempos, problematizados pela questão da violência) e do engano em particular tornam-se cada vez mais missão dos estudiosos e cientistas, em especial àqueles voltados para as Ciências Humanas.

            Estas constatações iniciais permitem identificar uma dificuldade importante para a consideração da questão do AE e o prosseguimento de nossa discussão. Perguntamos novamente: estas diferentes interpretações do que constitua AE são diferentes definições para o mesmo fenômeno, ou são descrições de diversos fenômenos sob a mesma nomenclatura, ou ainda, corporificam descrições de diferentes usos do termo Auto-Engano?

            Para estabelecer um parâmetro de trabalho dentre as muitas acepções para o fenômeno, iremos atentar em nossas futuras investigações para o termo AE e o significado do mesmo na linguagem ordinária, visto a ocorrência de ‘alguém-enganar-a-si-mesmo’ existir já antes de qualquer estudo teórico sistemático sobre o fenômeno. Este significado pode servir de base para comparação dentre as diferentes interpretações formuladas, averiguando quão coincidentes ou distantes as mesmas se mostram quando comparadas com a noção presente no senso comum do termo. Acreditamos que da análise dos muitos horizontes descritivos poderemos ampliar nossa compreensão sobre o fenômeno, em especial para a determinação e emergência das situações de crise nas populações (pequeno grupo), como p. ex., as de violência interpessoal.

REFERÊNCIAS


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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Buscar a Deus...


          Anteontem ministrei a Palavra na Congregação. Como sempre, uma experiência muito especial. Falei sobre 'buscar a Deus', que acho um grande desafio para o Homem hoje em dia. Na modernidade, buscar a Deus parece algo deslocado, démodé...  A Ciência (e alguns filósofos) parecem 'decretar' a  todos a desnecessidade de qualquer espécie de deidade. À parte qualquer análise antropológica ou sociológica  que se possa  assacar  aqui (para não dizer da minha especialidade), prefiro constatar a inutilidade desta  pretensão ou mesmo a imposição desta inexistência de Deus  para a realidade do homem comum, daquele ou daquela despossuída dos mais comezinhos aspectos de uma digna vida.

           Todos sabem que, em todo tempo e lugar, o homem expressou e expressa/expressará  sua espiritualidade. E, ademais, quando se carece de tudo, o bastião último a resguardar o que resta de sanidade e ânimo para o vivente restringe-se à esperança, ao espiritual, mesmo que se chegue, em alguns casos, ao numinoso de Rudolph Otto...

          No caso de minha preleção, ponderei (fundado na Palavra) que o imperativo do cristão de buscar a Deus se faz intrínseco à própria Fé, posto que desconhecemos em grande medida a este Pai Celestial que se nos fez inequívoca intelecção, e que, em decorrência, tem uma relação individual com cada qual.  Expus que esta insuspeitada ignorância pactual que nos auto-impomos nos prejudica em muitas dimensões, posto que deixamos de receber, de auferir graça e bênçãos, e o pior, não oferecemos o louvor devido ao Eterno.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Do velho embate entre Religião e Ciência...

Volta e meia vemos na mídia (e, para os interessados, especialistas e estudiosos, também em seus respectivos fóruns acadêmicos) pessoas perpetrando comentários sobre o dito embate acima citado. Eu sempre gostei do tema da Psicologia da Religião (uma interface entre estas duas áreas, obviamente mais focada no âmbito científico) mas sempre soube conciliar este mundo com a da vivência de uma religião (minhas raízes são cristãs, do Catolicismo Romano). Tento escolher bem as palavras, pois sei o quanto elas são 'perigosas' para efetivamente transmitir o que pensamos. Como não sou nenhum Affonso Romano de Sant'Anna (recomendo-lhe dele uma obra muito legal de se desfrutar - 'Tempo de Delicadeza', Porto Alegre: L&PM, 2009) um Saramago ou Machado, "todo cuidado é pouco"... (perdoe o lugar comum, mas na minha idade não precisamos mais ter tanto escrúpulo assim!! - aqui, bem, veja só, o Dicionário Aurélio Sec XXI eletrônico, sobre escrúpulo, das 3 acepções, refiro-me precisamente  à primeira - 1. hesitação de consciência, remorso... Mas concedo que, das outras 2, delicadeza de carater, senso moral, zelo, destes não abro mão).

Mas voltando, dos 16 livros que li sobre o assunto, um pouco tardiamente em relação ao rebuliço observado na mídia em seu auge - gosto de deixar a 'poeira assentar', para não ser influenciado - vejo que os querelantes por vezes se pronunciam com inusitado ímpeto... Vejo também que são poucos os que conhecem efetivamente os dois lados para, efetivamente, fornecer uma contribuição polida, como convém. Ora, qual a razão de se gastar a pena com tal tema se não for para contruir 'pontes' entre estes saberes? O número de diatribes é enorme, o que nos faz, quase, arrepender de ter investido alguma soma na aquisição do papelejo. Acabo mais lendo críticas das críticas, o que acaba sendo divertido.

Mas creio que, modestamente, eu obtive uma boa estratégia para não ter qualquer aproximação viesada (o que leva, seguramente, a mal-entendidos e radicalizações...) sobre tão complexa temática - o que aliás procuro, desde a faculdade, seguir para meus estudos e mesmo, creia, nas minhas deambulações... Estudando Psicologia, vi como a Linguagem (um acontecimento incrível, complexo, verdadeiro horror dos polifóbicos) é o fenômeno que subjaz em qualquer manifestação humana. Investi um bom tempo tentando entender suas nuanças, posto que, inclusive, para o fazer psicoterapeutico com a clientela, este entendimento é fundamental. Obviamente, meu treinamento acadêmico em Metodologia Científica e em Métodos e Técnicas de Pesquisa ajudou em muito também a manter um espírito mais desarmado e buscador da Verdade, não tanto das verdades ilusórias a que somos submetidos a toda hora...

Esta idiossincrática estratégia consiste em assumir, em princípio e a princípio, que todas posições e discussões, 'no fundo',  são confrontos de narrativas, de discursos,  de plano eivados ("nossa!", esta palavra é 'pesada' - ainda que me pareça apropriada para o que penso), ou melhor, continuando, de plano plenos de valores e posições assuntíveis e assuntivos, o que faz sempre periclitar  qualquer debate que se pretenda isento. Poucos, não importa o lado, conseguem sucesso nesta empreitada.

Poderia tecer aqui considerações metodológicas, teóricas, filosóficas, sobre o tema, mas somente conto, superficialmente, 'o milagre, não conto o santo'.  Para não ser leviano, em resumo, digo que uma pessoa, pode, sim, abrigar em si diferentes narrativas, basta ser coerente, e não ficar impingindo 'idiomas' peculiares de certa seara em domínios que praticam outras linguagens. Para discutir linguagens, respeitemos as regras do jogo (deste jogo...). É, creio, eu, o que muito estudioso esquece de fazer.

(P.S. de 13 de setembro de 2010 - vejam em http://blogdasciam.blog.uol.com.br a postagem de 03/09/2010 que Ulisses Capozzoli - Editor da Scientific American Brasil - escreveu sobre este tema, comentando o novo livro de Stephen Hawking - The Grand Design. De um modo geral, temos nesta revista um bom painel do que acreditados cientistas pensam sobre este embate...)